SOS, entrei no curso errado na universidade. E agora?

É normal ter dúvidas na adaptação ao ensino superior — e se achas que estás no curso errado, não estás sozinho. O P3 falou com uma psicóloga e reuniu algumas dicas sobre o que fazer.

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Estou no curso errado? E agora? Ketut Subyianto/ Pexels
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Colegas novos, professores novos e (para mais de 100 mil estudantes deslocados) cidade nova. É uma fase nova da vida, com todas as adaptações que isso acarreta. Contudo, e depois de algumas semanas de aulas, já há quem saiba que está no curso errado. Assim surge a pergunta: e agora?

Antes de mais, não entres em pânico. Se queres mesmo saber se estás no curso certo para ti, há algumas coisas que te podes perguntar a ti mesmo. Para começar, “há que distinguir se não gosto do curso ou se são as condições acessórias que me estão a afectar”, diz Isabel Henriques, psicóloga especializada em desenvolvimento de carreira e orientação vocacional, ao P3. É mesmo o curso ou são coisas como “não conseguir estar afastado da família e dos amigos”? São as cadeiras ou estou a ter dificuldade em habituar-me a fazer sozinho as “actividades que eram partilhadas com família”?

Os primeiros tempos também podem ser mais aborrecidos porque as cadeiras são mais teóricas. Quanto a isso, resta-te perceber como é, ao certo, o curso. Estar informado sobre a estrutura da licenciatura pode prevenir este aborrecimento inicial e podes “falar com alunos mais velhos” para conhecer, na primeira pessoa, algumas opiniões. É que, depois do aborrecimento e desilusão, podem vir as más notas, resultado de “falta de motivação para estudar e ir às aulas”.

Em casos mais graves, “a ideia de frequentar o curso superior pode tornar-se um sacrifício” e há quem possa registar “estados de ansiedade que podem ir crescendo até aos ataques de pânico” sem os associar, de imediato, à faculdade. Nestas situações, a especialista sublinha a importância da ajuda clínica.

Por fim, outro sinal de que o curso pode não ser o certo é a dificuldade em projectar os conteúdos académicos no tempo: “Não me vejo a executar aquela actividade profissional” ou “não consigo justificar o porquê de estar neste curso”, ilustra a psicóloga.

Foi um misto de tudo isto que Tomás Nery sentiu, quando, há dois anos, entrou para o curso de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). Há um momento em que sinto que não aguento mais, e nessa ruptura, acabei por falar com os meus pais, após muitos meses a tentar fazê-lo, conta ao P3. Agora, quando olha para trás, reconhece que saúde mental se tinha deteriorado para níveis sem precedentes durante esse período e que não via futuro algum naquele curso.

Ok, estou mesmo no curso errado. E agora?

“Há que ponderar muito bem uma mudança e não ser impulsivo”, sublinha Isabel Henriques por diversas vezes durante a conversa com o P3. Depois de identificados os sinais de alerta e já com a certeza de que queres mudar de curso, a psicóloga recomenda que a nova decisão seja fruto de um exercício de reflexão.

Quais são os meus interesses, gostos, aptidões e valores pessoais? Quais são as opções de cursos que tenho? A psicóloga, com base na própria experiência profissional, afirma que se verifica “uma grande correlação” entre os alunos que estão mais satisfeitos com o curso e a quantidade de informação que recolheram, isto é, quanto mais informados, mais certeiros são nas escolhas académicas que fazem. A última fase de decisão consiste em pesar todos estes factores.

Ok, então concluíste que é mesmo para mudar de curso. Vamos à parte prática: ao contrário do que acontece com o Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior, o pedido de mudança de curso é feito directamente às faculdades. Cada instituição define “as condições habilitacionais a satisfazer” para cada curso e os critérios de seriação e desempate” através de um regulamento, esclarece a Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES) no site oficial. Os prazos e o número de vagas de cada faculdade também dependem de cada instituição e estão obrigatoriamente definidas no início do ano lectivo e disponíveis online.

Depois de ganhar coragem para falar com os pais, Tomás cancelou a matrícula. Para mim, nessa fase, só existiam duas soluções possíveis: História ou Sociologia. Era aquilo que gostava de fazer, de ler, de estudar, descreve o estudante de 21 anos. Seguiu-se um período de estudo intenso, até porque procurava apreender três anos de matéria de uma disciplina que nunca tinha tido em dois ou três meses.

Correu tudo bem, descreve, feliz com a mudança. Entrei na faculdade que queria, no curso onde queria entrar: Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Desta vez, a adaptação foi fácil e agradável, principalmente em comparação com a experiência anterior. Sublinha que o apoio dos pais e a estabilidade financeira necessária ajudaram.

Como tirar proveito de um ano "em suspenso"?

Uma mudança de curso é um ano de espera — isto porque no ano lectivo em que entraste na universidade “ao abrigo de qualquer regime de acesso e ingresso e se te tiveres matriculado e inscrito, não é permitida uma mudança de curso ou de universidade.

Por esta razão, a psicóloga Isabel Henriques recomenda que se tire o máximo de proveito do ano sabático” — até “pode ser uma oportunidade para fazer algumas cadeiras e ganhar alguns créditos compatíveis com o curso para o qual tem hipótese de mudar”.

Ao mesmo tempo, “é um ano excelente para trabalhar nas competências que preciso e não tenho”. Assim, e uma vez que as avaliações não são essenciais porque o curso não vai ser levado até ao fim, a psicóloga sugere que se coloque em primeiro lugar o foco na aprendizagem.

Isto vale para quem, apesar de estar insatisfeito com o curso escolhido, “consegue ir às aulas, até vê isso como mais vantajoso do que estar em casa”. No entanto, quando a ansiedade ou outro sentimento associado ao curso é demasiado grande, há outras hipóteses a ponderar. Se continuar a estudar ou tirar uns meses de férias “é um esforço económico enorme”, “pode ser preferível adquirir competências do mundo de trabalho”. Ainda que a área seja diferente da que vais estudar, esta experiência permite “ter noção das exigências do mundo profissional e desenvolver as chamadas soft skills”. Nunca é tempo perdido.

Apesar de não ser o seu caso, o agora estudante da FLUP reconhece que, quem tem dificuldades financeiras é sempre refém, pelo menos num nível mais profundo, desta chantagem social que nos faz largar as nossas preferências e gostos, trocando-os por aquilo que nos permitirá ter algum dinheiro. Vivemos numa sociedade em que a competição constante nos leva a ter medo de 'ficar para trás' e perder o comboio. É complicado lutar contra isso", conclui.

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