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São dachas e parecem saídas de um livro de contos da Rússia antiga
Na Rússia, no campo ou na floresta, as dachas - casas de Verão feitas de madeira - parecem saídas de um livro de contos. O fotógrafo Fyodor Savintsev fotografou as poucas que ainda restam no país.
Nos anos 1990, cerca de 80% da população de São Petersburgo, na Rússia, tinha uma segunda casa. Tipicamente situada fora da cidade, em zonas consideradas rurais ou florestais, essa casa transformava-se num local de repouso e de contacto com a natureza para muitas famílias russas. Aos fins-de-semana, nos seus carros particulares ou de comboio, as famílias deslocavam-se até esses lugares e ao domingo regressavam carregadas de sacos de batatas ou verduras. Na Rússia, esse tipo de casa de madeira, típica e exclusivamente russa, data do século XVI e tem um nome: dacha. Nasceu ainda durante a vigência do Império Russo, sobreviveu à revolução bolchevique, à primeira e segunda guerras mundiais e ao colapso da União Soviética, mas não sem dolo. No século XXI, a dacha está praticamente em vias de extinção.
O fotógrafo Fyodor Savintsev, nascido em 1982, foi um dos muitos russos da grande cidade que teve a oportunidade de passar parte da infância numa dacha, nos arredores de Moscovo. Durante a pandemia de covid-19, em 2020, Savintsev regressou à aldeia de Kratovo, onde passava os Verões, e decidiu começar a documentar as dachas que se mantêm de pé. Para o fotolivro Dacha, editado pela FUEL e publicado em Setembro de 2023, Savintsev não se limitou a fotografar as estruturas que ainda resistem nos arredores de Moscovo; ele visitou também a região de Arkhangelsk, próxima da fronteira com a Finlândia, e zonas rurais do oblast de Leninegrado, nos subúrbios de São Petersburgo.
“A dacha sempre foi um refúgio da cidade, das multidões, do calor e da doença”, explica a escritora inglesa Anna Benn no prefácio do livro onde faz uma profunda contextualização histórica e social deste tipo de construção. Benn, uma apaixonada por assuntos que dizem respeito à história russa, refere, a título de curiosidade, que durante a pandemia muitas pessoas das grandes cidades se refugiaram nas suas dachas para fazer face às restrições de confinamento. Isso não destoa na história destas estruturas no país. Ao longo dos séculos, a dacha foi “um local de fuga aos constrangimentos sociais e políticos” de cada era, “um local de lazer onde se vivia com relativa liberdade” no contexto da presença de um Estado invariavelmente opressivo e controlador. Nos anos 1970 e 80, em períodos de escassez alimentar, a dacha (ou o terreno que a rodeia) tornou-se também num local de trabalho e de produtividade agrícola.
A palavra dacha não encontra tradução em nenhuma língua por estar intimamente ligada à história e cultura russas. O historiador de arte Nikolay Malinin comparou-a, em 2018, às palavras "matriosca" ou "vodca" por essa razão. Mas embora seja fácil reconhecer uma dacha quando se está diante de uma, não é fácil defini-la. “A palavra dacha compreende edifícios de tamanhos e tipos diferentes – desde vilas aristocráticas, casas elegantes pertencentes à elite, até às barracas de madeira das massas”, explica Benn. Existem detalhes arquitectónicos, características geográficas ou de uso que as tornam merecedoras dessa designação.
A figura do folclore russo da Baba Yaga, uma bruxa que vive numa cabana de madeira apoiada sobre pés de galinha no meio da floresta, que aterrorizou tantas crianças russas, alude, de certo modo, para estas construções. O escritor e dramaturgo Anton Tchéckhov, que arrendou, ao longo da vida, inúmeras dachas onde permanecia durante temporadas, escrevia, não raramente, sobre dachas e sobre o ambiente que se vivia em seu torno.
Foi nos anos 1990 que estas casas de Verão começaram a ser esquecidas. Neste período, uma quantidade expressiva de dachas foi demolida, sobretudo aquelas que pertenciam às classes mais altas. Nos lotes onde estavam edificadas as típicas casas de madeira nasceram outras em pedra ou tijolo ou “chalés de estilo escandinavo rodeados por muros ou vedações”. As que subsistem actualmente pertencem a pessoas que, por terem menor poder económico, não têm opção senão preservá-las, recorrendo não raramente a práticas DIY para conseguir reparar estruturas. A Rússia é, hoje, o país do mundo onde mais famílias dispõem de uma segunda habitação.