Regresso ao Parlamento com pastéis de nata transcendentes e Pedro Nuno Santos imortal
Os debates parlamentares regressaram na manhã desta sexta-feira. Rui Rocha chegou de Uber, Isabel Moreira visitou a exposição sobre Natália Correia e Tiago Barbosa Ribeiro apresentou muitas queixas.
Quando era suposto começar tudo, não começou nada. Já passava da hora de início quando, nos corredores, um deputado perguntou a outro se “isto era às 10h ou às 10h30”. O tal outro não sabia. Era às 10h, senhor deputado, mas não faz mal.
No piso de baixo, as empregadas de limpeza cantarolavam — certamente em regozijo pelo país finalmente voltar ao debate democrático. No regresso ao Parlamento, as suas caras estavam lá quase todas: Santos Silva, Sérgio Sousa Pinto, Eurico Brilhante Dias, Joana Mortágua, André Ventura, Cotrim de Figueiredo, André Coelho Lima, Isabel Moreira. Também Pedro Nuno Santos, que ao hemiciclo só chegou depois do meio-dia (talvez exagerando no cânone de que atraso é charme).
Rui Rocha, líder da IL, apareceu pelas 9h40 — de Uber. O seu passo, tenso, era premonitório do que aconteceria a seguir em plenário: um golpe-surpresa a Santos Silva (com direito a referências à sua proximidade a José Sócrates) a propósito das declarações de Lula sobre Putin, recordando a visita do Presidente do Brasil ao Parlamento no último 25 de Abril e opondo-se a um seu eventual regresso. A bancada do Chega aplaudia-o em êxtase.
Lá dentro debate-se saúde; cá fora, política. Nos corredores formam-se pequenos grupos de deputados que discutem política da pequena — a discrição, que se exige, é frequentemente violada por sotaques nortenhos. Também ao bar acorrem os deputados. O menu predilecto é café (a 35 cêntimos) com pastel de nata. Sobre este último, a deputada Isabel Meireles, do PSD, entrou em transcendências: qui-lo “mal cozido” e descascou-o antes de o levar à boca.
Saímos do bar e encontramos Isabel Moreira, deputada do PS, a fotografar a exposição que celebra o centenário da poetisa Natália Correia, histórica parlamentar do PSD e do PRD, que na manhã desta sexta-feira foi homenageada no Parlamento. Das três vezes que fomos a esta sala durante a manhã, esta foi a única em que vimos um deputado a prestar-lhe atenção.
Os corredores continuavam a ser o palco. Era lá que tudo acontecia: desde propaganda — como o Folha Nacional, publicação do Chega, que misteriosamente apareceu pousada numa mesa dos serviços — a simpatias, como quando uma deputada do PSD elogiou Inês Sousa Real, do PAN, dizendo-a “elegantérrima”. Aos jornalistas também eram cedidas gentilezas, havendo quem dispusesse os seus contactos através de QR Codes devidamente impressos em cartões-de-visita.
Os corredores cheiram a casa
E quando o fim parece aproximar-se, entende-se que há coisas que simplesmente não têm fim. Terminada a ordem de trabalhos do plenário, os deputados saem ordeiramente do hemiciclo. Nuno Saraiva, assessor do grupo parlamentar do PS, saúda-os — inclinando ligeiramente o tronco e desejando-lhes bom-dia.
Quem mais tarde entrou, para mais tarde ficou: já há uns bons quinze minutos haviam terminado os trabalhos quando Pedro Nuno Santos e Tiago Barbosa Ribeiro, um dos seus delfins, irrompem pelo corredor.
Discutem política. Barbosa Ribeiro, que foi candidato do PS à Câmara do Porto nas últimas autárquicas, queixa-se a Pedro Nuno de coisas. Muitas coisas, mas coisas pequenas: concelhias para aqui, distritais para acolá, muitos “gajos” e, sobretudo, muitos palavrões (em dois minutos contamos quatro saídos da boca do portuense).
Barbosa Ribeiro, irritado, esganiça a voz. Pedro Nuno, alto, grave, solene, vai acenando com a cabeça. Faz perguntas curtas — e Barbosa Ribeiro dispara respostas compridas.
A política continua a ser feita e Pedro Nuno Santos continua a fazer política. Fê-la nos ministérios, fá-la no partido e agora fá-la-á no Parlamento, onde os corredores cheiram sempre a casa. Não se pode falar num regresso do Parlamento sem se falar no seu. O eterno futuro líder do PS sempre se reinventa — e sempre regressa: afinal, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim de Pedro Nuno Santos.