João é um “viciado” no crossfit — e vai representar Portugal numa prova adaptada

Começou a fazer crossfit há quase nove anos e já depois da amputação da perna direita. Agora, vai representar Portugal numa das maiores provas internacionais de crossfit adaptado.

RG Rui Gaudêncio - 12 Setembro 2023 - João Jerónimo,  atleta de crossfit adaptado. Leiria. Público
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João Jerónimo, atleta de crossfit adaptado. Leiria Rui Gaudêncio
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João Jerónimo, atleta de crossfit adaptado. Leiria Rui Gaudêncio
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João Jerónimo, atleta de crossfit adaptado. Leiria Rui Gaudêncio
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A vida de João Jerónimo, 34 anos, teve, até agora, uma constante: o desporto. Começou aos quatro anos, no andebol – a “paixão” de sempre, como descreve — e o acidente que teve aos 15 (e que o deixou sem uma perna) não o afastou desse mundo. O confesso “viciado” no crossfit está de malas feitas para representar Portugal numa das maiores competições internacionais da modalidade adaptada, que acontece neste fim-de-semana, de 15 a 17 de Setembro, em Barcelona. E o objectivo é só um: fazer mais e melhor.

“Gostava de ter um pódio”, admite, em conversa com o P3. Mas os planos para o Wodcelona, onde vai participar na categoria one point lower, para atletas com um membro inferior amputado, passam muito mais por “aprender com os melhores”.

Quem não o conhece, não adivinharia que vive uma “vida dupla” — durante o dia trabalha na Câmara Municipal de Leiria, enquanto assistente operacional na área de contratações públicas. Antes e depois do trabalho, passa o tempo a treinar, num total de quatro horas por dia. Conciliar tudo é uma espécie de “jogo de Tetris”, diz, a brincar, uma sequência que cumpre todos os dias com uma pontualidade britânica.

Começa às 6h da manhã com um treino em jejum na bicicleta estática antes de seguir para o trabalho. Depois do expediente, tem encontro marcado na box Crossfit Leiria Sul para o WOD (ou Work Out of The Day, uma gíria da área que se refere ao treino diário). “Depois chego a casa às 18h para despachar o jantar e o almoço do dia seguinte”, afirma. Afinal, a alimentação é uma parte importante deste Tetris, e todas as refeições são pensadas (e pesadas) ao grama com a ajuda de um nutricionista.

Preparado o menu do dia seguinte, é hora de se juntar à equipa de andebol em cadeira de rodas da Associação Portuguesa de Deficientes (APD) de Leiria. Porque o andebol foi mesmo o seu primeiro amor.

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João Jerónimo é um desportista nato: faz andebol e crossfit Rui Gaudêncio

Experimentou pela primeira vez aos quatro anos e teve uma evolução rápida e contínua. Aos 10, já jogava “nos escalões acima [da idade] porque era maior e mais entroncado que os outros miúdos”. Passou pela Juventude Desportiva do Lis, pelo União de Leiria e pelo Atlético Clube Sismaria, onde deu “o maior pulo” da carreira. Aos 15 anos, estava num momento alto e decisivo. Já tinha feito um estágio para a selecção nacional, os treinos eram bidiários e a oportunidade de treinar num clube maior parecia cada vez mais próxima — até um acidente lhe mudar os planos.

Uma brincadeira; uma mudança de vida

Foi uma brincadeira inocente. Estava à espera que a mãe saísse do trabalho, pegou “num empilhador” e despistou-se. “Tentei segurá-lo, mas a máquina continuou a andar e a cabine esmagou-me contra a parede”, conta, 19 anos depois. As consequências foram graves: João sofreu um esmagamento da anca central, esteve 52 vezes no bloco operatório, levou 124 pontos.

Os médicos optaram por amputar a perna direita por completo e, a partir desse momento, João teve de se adaptar a uma nova rotina. “O primeiro mês foi o mais complicado”, assume. “Foi de aceitação do que me tinha acontecido.” Mas não esteve muito tempo parado.

Quase de seguida, tirou o “curso de cronometrista e de oficial de mesa” de andebol, para poder estar próximo dos colegas, a controlar o marcador, registar golos ou a preencher documentação técnica sobre os jogos para entregar à federação. Contudo, estar fora das quatro linhas foi uma solução a curto prazo. “Começou a fazer-me muita confusão a ideia de não poder jogar”, admite.

Procurou alternativas. Experimentou o lançamento de pesos e a natação paralímpica, com muito bons resultados — no currículo desportivo guarda o título de campeão nacional e campeão ibérico na natação.

Só que nada disto era o andebol. “Desde que tive o meu acidente que todos os anos mandava e-mails para a federação nacional de andebol a perguntar quando é que eu podia voltar a praticar”, lembra. Acabou por criar a equipa de andebol em cadeira de rodas da delegação de Leiria da APD, que hoje é hexacampeã da modalidade.

Um junkie do desporto

Então, como é que João chegou ao crossfit? O peso. Apesar dos treinos diários de andebol e de basquetebol, modalidades que também praticava no mesmo clube, “fui ganhando peso gradualmente por muita falta de cuidado alimentar”, mas também “porque na cadeira, apesar de fazermos muito esforço físico, o movimento cardiorrespiratório não é o mesmo do que a correr”.

Foi quando a balança se aproximou dos 130 quilos, e depois de um alerta da médica de família sobre o estado da sua saúde, que decidiu experimentar o crossfit em 2015.

Em entrevista ao P3, Rodrigo Couto, proprietário e treinador principal da box CrossFit Leiria, onde treina o João, descreve a chegada do atleta como “um misto de sensações”. “Foi um desafio muito grande, mas aprendi muito sobre treino, adaptações, a parte mais técnica da biomecânica.”

Para João, a chegada à modalidade foi o empurrão que precisava. “Fiquei viciado porque gosto do estímulo desportivo, sentia que acabava os treinos exausto e no final da semana quando ia fazer as medições do peso e dos perímetros com a nutricionista havia resultados”. Além da perda de peso, o crosstraining trouxe outros benefícios: “No andebol, começava a ter mais força, mais agilidade, levantava-me com mais energia e tinha sempre aquela vontade de ir treinar. Acho que é o estímulo que qualquer atleta que entre numa box entende”, conta, com um sorriso.

“Inicialmente foi difícil, mas rapidamente se habituaram a mim porque as minhas adaptações são quase nulas”, constata o atleta. O treinador concorda, acrescentando que “as principais adaptações têm que ver com as fases competitivas”.

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Com o acidente veio uma nova causa: a luta pela inclusividade Rui Gaudêncio
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João treina todos os dias Rui Gaudêncio

Pedro Pereira, responsável pela CrossFit Portugal, explica ao P3 que a modalidade “é universalmente ajustável à condição de cada praticante”. “As limitações de cada um estão mais no seu foro psicológico de barreiras criadas por si mesmos do que na realidade”, acrescenta. No entanto, não há dados oficiais sobre o número de atletas da categoria adaptada em Portugal e não há nenhuma competição oficial da marca com esta categoria.

A primeira prova portuguesa para atletas adaptados surgiu apenas em Maio deste ano, nos Promofit Games, em Matosinhos. Fora da chancela da marca internacional, serviu como rampa de lançamento de João para o Wodcelona, ao permitir o apuramento para a competição espanhola. Ao todo, vão competir quatro atletas portugueses, cada um numa categoria diferente. João compete na one point lower para pessoas “que tenham apenas um ponto de contacto com o chão” quer utilizem próteses ou não, lê-se na página oficial da prova.

Para João, o rescaldo destes quase nove anos de crossfit é positivo. Perdeu peso, encontrou uma modalidade que o apaixona e uma luta pela inclusividade: “É complicado mudar o estigma da pessoa com deficiência que não se quer mostrar, não quer aparecer. Ainda há muita vergonha de se mostrarem à sociedade”, acredita. Em Barcelona vai tentar mudar isso.

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