Rui Moreira reverte decisão de remoção da estátua de Camilo

Autarca alega que desconhecia existência de uma deliberação municipal de 2012 que aprovara por unanimidade a implantação da escultura no actual Largo Amor de Perdição.

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A estátua de Camilo foi doada pelo escultor Francisco Simões à cidade de 2012 Nelson Garrido
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O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, revogou esta sexta-feira à tarde a decisão assumida na terça-feira de mandar remover a estátua de Camilo Castelo Branco instalada desde 2012 no actual Largo Amor de Perdição, em frente à cadeia onde o escritor esteve preso. A remoção fora solicitada por 37 "cidadãos ilustres", numa petição dirigida ao autarca em que se invocava o "desgosto estético" e a "desaprovação moral" suscitados pela obra, pedindo a Rui Moreira "o favor higiénico de mandar desentulhar aquele belo largo de tão lamentável peça e despejá-la onde não possa agredir a memória de Camilo”.

Após ter acolhido favoravelmente a solicitação subscrita por figuras como o jurista, ex-banqueiro e ex-presidente do conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian Artur Santos Silva, o advogado (e membro do Conselho de Estado) António Lobo Xavier, os curadores Bernardo Pinto de Almeida e Miguel von Hafe Pérez, o escritor Mário Cláudio, o editor José da Cruz Santos e a vereadora comunista Ilda Figueiredo, Rui Moreira deliberou agora no sentido contrário, alegando só esta sexta-feira à tarde ter tomado conhecimento de uma deliberação municipal de 2012 aprovando quer a doação quer a implantação da escultura naquele local.

"Ao contrário da informação que estava na posse do presidente da Câmara do Porto, a doação previa também a colocação da estrutura no Largo Amor da Perdição, doação essa que tinha sido aprovada pelo executivo municipal em 2012. Neste contexto, não pode o presidente da Câmara anuir, sem mais, ao que foi solicitado, pelo abaixo-assinado, que é do conhecimento público. Naturalmente, isso não se impede que, futuramente, e em qualquer momento, o assunto possa vir a ser suscitado no mesmo órgão municipal", explica o autarca em declaração enviada ao PÚBLICO e à agência Lusa.

Reagindo a este volteface, o escultor Francisco Simões disse ao PÚBLICO estar "muito satisfeito", adiantando que, caso a escultura fosse mesmo retirada por decisão de Rui Moreira, iria requerer uma providência cautelar, depois de ter apelado, sem sucesso, "ao bom senso e à serenidade". "O senhor presidente não é dono disto tudo. Era bom que tivesse a humildade de perceber que não pode, enquanto presidente da Câmara [decidir unicamente em função do seu gosto]. Em democracia tem de haver sensatez."

Tal como consta da acta da reunião do executivo municipal de 23 de Outubro de 2012, que o PÚBLICO solicitou, a aceitação da doação da estátua Amores de Camilo, proposta por Francisco Simões, foi aprovada por unanimidade, estando a sua implantação prevista para a Rua da Cadeia da Relação.

Antes dessa reunião, a tarefa de encontrar um artista e de seleccionar a obra que homenagearia o escritor coube a uma comissão constituída a pedido do antigo presidente da Câmara do Porto (CMP), Rui Rio, para a preparação das comemorações dos 150 anos da publicação de uma das mais populares obras de Camilo, Amor de Perdição. Integravam a dita comissão o poeta José Valle de Figueiredo, a jornalista Nassalete Miranda, a professora catedrática Isabel Ponce de Leão e o escritor e psiquiatra Carlos Mota Cardoso.

Em declarações ao PÚBLICO, o escultor Francisco Simões recorda um encontro informal com os membros dessa comissão, em que apresentou os primeiros esboços da escultura Amores de Camilo, e em que estiveram também presentes Miguel Veiga, um dos fundadores do PSD, à data presidente da comissão de toponímia da cidade, e Artur Santos Silva, ex-banqueiro que assina, agora, a petição pela remoção da estátua.

"Todos os membros consideraram a ideia magnífica, adoraram. Daí fui para o meu ateliê trabalhar no monumento", lembra. Face a "obstáculos financeiros" da autarquia, Francisco Simões informou a comissão de que doaria o seu trabalho à cidade, sendo apenas necessário cobrir os custos do bronze e da sua fundição. Segundo o escultor, Artur Santos Silva, à data presidente do conselho de administração do BPI e da Fundação Gulbenkian, ter-se-á chegado à frente para financiar o projecto.

Também contactado pelo PÚBLICO esta sexta-feira, Artur Santos Silva garante não se lembrar se terá estado associado a alguma comissão comemorativa dos 150 anos de Amor de Perdição, nem se terá financiado a escultura. Sabe que não o fez a título pessoal, mas "não tem ideia" se essa transferência consta das operações feitas pelo BPI.

Recorda "bem" o encontro informal com o escultor, mas diz só ter visto o desenho da estátua quando esta foi colocada no largo onde está hoje. "Estávamos de acordo em convidar Francisco Simões para a obra, mas não estava de acordo com nenhum projecto porque não me lembro de o ver. Por isso, não há mudança de opinião. Dos resultados podemos gostar ou não, e quando o vi, não gostei", afirma.

Da agenda da mesma reunião municipal de 23 de Outubro de 2012 consta a proposta da comissão de toponímia (ainda presidida por Miguel Veiga) para dar ao largo fronteiriço à Cadeia da Relação o nome Largo Amor de Perdição. Foi naquela cadeia que Camilo e a escritora Ana Plácido, casada, estiveram presos em 1860 pelo crime de adultério: ele nos aposentos então conhecidos como "quartos da malta", destinados a reclusos abastados, e ela no pavilhão das mulheres. Viriam a ser inocentados um ano depois.

A decisão de que Rui Moreira incumbiu na terça-feira o vereador do Urbanismo partia do pressuposto de que a CMP não tinha aceitado formalmente a localização da obra. Foi precisamente escudado nesse argumento formal que o sucessor de Rio na autarquia decidiu aceder ao pedido dos 37 peticionários, ordenando a remoção da escultura e a sua incorporação nas reservas municipais.

“Não tendo havido qualquer deliberação municipal para erigir tão deselegante obra, e concordando com o que tão ilustres cidadãos nos suscitam, solicito que se proceda à remoção daquele objecto, que deverá ficar nas reservas municipais”, escreveu Rui Moreira na nota que apôs à petição, e que reencaminhou para o pelouro competente.

Uma petição, duas petições

Ao PÚBLICO, vários signatários da petição sublinharam que, mais do que questões de gosto, os move a defesa da memória de Ana Plácido, que acreditam ser a mulher nua representada na estátua – uma interpretação que Francisco Simões refuta.

“Não são questões morais nem de gosto que me levam a assinar a petição, mas a diferença na maneira como o homem e a mulher são tratados. Ana Plácido era uma mulher extraordinária que ali é menorizada. Querem pô-la nua, muito bem, não me oponho, desde que Camilo também esteja nu. Ou os dois nus, ou os dois vestidos”, comentou Ilda Figueiredo.

“Para além de achar a escultura muito feia, o que é secundário, o que não posso aceitar é que reduza a um corpo desnudo abraçado a um homem vestido uma mulher notável, talentosa, corajosíssima”, disse por sua vez o escritor Mário Cláudio. “Reduz o amor de Camilo e de Ana, que na época enfrentou tanto, a um par grotesco, a uma ilustração de bordel.”

Um dia depois de ser conhecida a decisão, noticiada pelo PÚBLICO, uma outra petição, que somava esta sexta-feira mais de 8500 subscritores, solicitava a manutenção da estátua no local para o qual foi criada.

"Há 11 anos que existe uma estátua de Camilo Castelo Branco vestido, abraçado, nada pornograficamente, a uma jovem rapariga nua (...) alegadamente, a representar o amor entre Ana Plácido e Camilo, que estiveram presos, por adultério, onde hoje é o Centro [Português] de Fotografia. Ao fim destes 11 anos, a estátua vai ter de ser removida, face a uma petição nesse sentido assinada por 37 pessoas importantes", lê-se na carta. "Por certo haverá quem aceite assinar, aqui e agora, um pedido, dirigido à Presidência da Câmara Municipal do Porto, ao senhor ministro da Cultura, ao senhor primeiro-ministro, ao senhor presidente da Assembleia da República, ao senhor Presidente da República, para ser mantida no local onde está."

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