Quinta da Boeira vai transformar palacete de 1850 em alojamento de luxo
Quinta da Boeira comprou o palacete contíguo às suas caves à família dos Vinhos C. da Silva e quer ali construir um alojamento turístico de luxo. Aquisição e obra custarão mais de 2 milhões de euros.
Os proprietários dos vinhos Quinta da Boeira compraram um palacete de 1850, com mobiliário desenhado por Teixeira Lopes e implantado num terreno com 3.500 metros quadrados, no centro de Vila Nova de Gaia, com o objectivo de ali abrirem, já em 2024, uma unidade turística de luxo. O palacete, com 800 metros quadrados de área bruta e adquirido em 2021 por 1,5 milhões de euros à família C. da Silva (dos vinhos C. da Silva), é contíguo à propriedade onde tudo começou para Albino Jorge e os seus sócios, mas que já não é sua.
Essa outra propriedade, de 3 hectares, o palacete (aquele que foi edificado, também em 1850, por Manuel da Rocha Romariz, emigrante português que fez fortuna no Brasil na primeira metade do século XIX) e o Boeira Garden Hotel, actualmente explorado pelo grupo Hilton, foram vendidos em 2019 ao grupo israelita Taga Urbanic. O actual administrador e sócio maioritário da Quinta da Boeira (do grupo inicial de dez amigos que investiram na Boeira em 1999, mantiveram-se na sociedade cinco) revelou, esta terça-feira, que o projecto para o palacete dos C. da Silva é de o "transformar numa mini-pousada de luxo", espécie "de casa privada" para hóspedes com elevado poder de compra, como faz já alguma hotelaria "em França", com "cinco suítes, no máximo".
Esse projecto está em fase de arquitectura (e entregue ao ateliê ARQ2525), mas o investimento, que andará "entre os 500 mil e os 700 mil euros", é mais abrangente. "Inclui também um salão para serviços para 80 a 100 pessoas e a melhoria do acesso, com a construção de um túnel, entre o armazém [onde são envelhecidos os vinhos do Porto da Boeira e que é possível visitar] e o hotel — agora propriedade dos "parceiros" israelitas —, detalhou Albino Jorge, num encontro com jornalistas.
O imóvel da família C. da Silva encontra-se muito bem conservado, totalmente mobilado com peças de madeiras nobres, desenhadas pelo escultor português cuja casa-museu fica ali a escassos metros, incluindo a mesa de bilhar que ainda se encontra no salão de jogos da casa. Como outros palacetes do século XIX, há pormenores na sua arquitectura que testemunham outros tempos e outro tipo de sociedade, como a dupla escadaria: a escadaria nobre e a outra, a dos empregados, escondida por detrás de uma porta no átrio principal da casa e que dá também acesso aos dois pisos superiores.
Por estar em bom estado e por se pretender ali uma intervenção mínima, Albino Jorge acredita será possível ter a obra de reabilitação do palacete pronta ainda em 2024.
A Quinta da Boeira facturou 1,5 milhões em 2022, mas para 2026 espera um salto de gigante, para "uma facturação de 4 milhões", perspectiva em muito alicerçada nos rendimentos futuros da nova unidade turística, mas também do salão de eventos. Esta é uma área de negócio a que os sócios da Boeira não são estranhos: em 1999, quando adquiriram a quinta do fundador dos vinhos Romariz, a primeira coisa que fizeram foi transformar as cavalariças e as estufas num salão polivalente.
Vinhos velhos, novo elã
O investimento imobiliário "permitirá acrescentar valor à marca [de vinhos] Quinta da Boeira", ou assim o esperam os seus sócios. "Foi por isso que comprámos", sublinha Albino Jorge. A novidade foi transmitida aos jornalistas num evento em que a Boeira, agora com vinhas próprias no Douro, apresentou dois 'novos' vinhos do Porto: o tawny Boeira 50 Anos e o Vintage 2021.
Desde 2020 que a Quinta da Boeira é também sinónimo de quinta duriense, em concreto uma propriedade em Vilarinho de Cotas, Alijó, com 17 hectares de vinha (30 hectares, no total). Também nos vinhos a estratégia dos sócios é a de trabalhar para um segmento alto: "concentramo-nos em produzir quantidades limitadas de vinhos de elevada qualidade, [que vendemos] a preços elevados também", explicou Albino Jorge.
Helena Teixeira, enóloga da casa, e que passou pela Sogrape e pela Churchill's, descreveu esse terroir, a 530 metros de altitude, no Cima Corgo, como tendo "bastante frescura". "O que é óptimo para brancos e que eu tento manter nos tintos", explicou, antes de apresentar o primeiro vintage da Boeira, um vinho de 2021, fresco, de facto, apesar de filho de "um ano bastante quente e em que choveu na altura certa". "Ainda está um bocadinho fechado", notou a enóloga, mas "envelhecerá muito bem em garrafa".
O Quinta da Boeira Vintage 2021 chegará aos mercados em Outubro em caixas de três garrafas de 0,75 litros e com dois preços: 170 euros no mercado nacional e 200 euros lá fora. É um lançamento de 3500 packs e "50% já estão reservados", nota o administrador Albino Jorge. Do Quinta da Boeira 50 Anos (um vinho que a empresa teve de adquirir) foram lançadas já 500 garrafas (0,75 litros), a 300 euros cada.
Os vinhos do Porto (sobretudo tawnies e este primeiro vintage de 2021) e DOC Douro da Quinta da Boeira, produção que ronda as 500 mil garrafas por ano, estão em 25 mercados, sendo a Dinamarca o seu principal destino, seguido do mercado português (loja própria, garrafeiras e Club del Gourmet do El Corte Inglés), Suíça, Luxemburgo, EUA e Canadá. Os dois últimos mercados, em particular, têm recebido "muito bem" lançamentos especiais como o da Quinta da Boeira White Diamond Port (27 euros), um Porto jovem mas cuja garrafa, "de quase 2 quilos", é em si um objecto de guarda, ou o Quinta da Boeira Very Old Tawny, um Porto de 1917 engarrafado num frasco de perfumaria de 100 mililitros (250 euros; a garrafa de 0,75 litros custa 5000 euros e também só no Canadá foram vendidas 36).
Um dos últimos contratos que a Boeira fechou foi para fornecer vinhos a um conjunto de hotéis no Vietname. Ainda nos vinhos, e com a aquisição de 2 hectares de vinhas velhas, contíguos à quinta no Douro, e onde predomina a casta Tinta Carvalha, Helena Teixeira espera vir a fazer um vinho de parcela muito especial. A empresa também produz azeite (1.500 litros em 2022), tendo-se estreado nesse negócio com uma garrafa igualmente excêntrica.
Os vinhos Quinta da Boeira têm origem em 1850, quando o tal emigrante, Manuel da Rocha Romariz, regressado ao Norte, se viu muito novo para se reformar e resolveu construir um armazém e iniciar-se no negócio do vinho. "Constituiu a empresa Romariz Vinhos e começou a comercializar em vários mercados", conta Albino Jorge.
Em 1966, os seus descendentes resolveram alienar tudo e o património da Boeira foi dividido em quatro:os vinhos foram vendidos à Sandeman (hoje da Sogrape), a propriedade e a marca à Taylor's (grupo The Fladgate Partnership) e o armazém a uma empresa têxtil. Albino Jorge, que foi administrador da Romariz na Fladgate, e os sócios compraram apenas a quinta em 1999; mais tarde, quando a têxtil abriu falência, adquiriram também o armazém, o que lhes permitiu "retomar a exportação de vinho do Porto".
Os passos seguintes foram comprar stocks de vinho do Porto, encontrar enólogo — neste caso enóloga —, adquirir vinhas no Douro (tornando-se assim também produtores) e, agora, regressar ao início, ao turismo, como alavanca do negócio do vinho.