A criança com deficiência que vai à escola pela primeira vez
Breves notas sobre o ingresso de crianças com deficiência na escola. E dois exemplos de mães que escreveram livros para facilitar a inclusão.
Esta semana, milhares de crianças entram pela primeira vez numa sala de aula. Chegam a um espaço novo, com regras e pessoas diferentes, que constitui um amplo território de possibilidades e desafios. Muitos desses alunos possuem algum tipo de deficiência.
Se o meu filho não fala, como vai explicar que tem sede? Se a minha neta não caminha, como vai brincar com os outros meninos no pátio? Se a minha enteada tem medo, como poderá comunicar às assistentes as próprias emoções? Será que a diferença funcional da minha criança será explicada à turma, facilitando a integração e evitando estigmas? O coração de um cuidador pode estreitar-se e ficar tão compacto como um grão de milho.
Num discurso proferido em 1981, a escritora Toni Morrison fez o elogio das narrativas que só alguns estão em posição de elaborar. “Se existe um livro que queiras muito ler, mas que ainda não esteja escrito, então tens de escrevê-lo”, disse no Conselho de Artes de Ohio, nos Estados Unidos, a primeira autora negra a ganhar o Nobel da Literatura.
Tânia Vargas é mãe de um menino autista com duas síndromes raras e incuráveis: a osteogénese imperfeita (também conhecida como doença dos ossos de vidro) e síndrome de Ehlers-Danlos. Escreveu o livro infantil O Pardalito Gonçalinho (2022) precisamente para incorporar a experiência do filho numa história que promovesse a inclusão. Nesta publicação independente, com ilustrações de Vanessa Ribeiro, parte-se de condições médicas ou neurológicas muito específicas para chegar a um território mais amplo, que é o da deficiência na infância.
Marta Soares é mãe da Matilde, uma menina cujo diagnóstico ainda não está fechado (apesar dos múltiplos esforços dos médicos e da família). Acaba de publicar, também de forma independente, A Primeira Aula, com ilustrações de Catarina Rodrigues. A obra aborda diversas questões — naturais e legítimas — que as crianças fazem em relação à diferença dos seus pares. Valida a curiosidade, dissolve o constrangimento e adianta respostas que facilitam o entendimento mútuo. A apresentação do livro está agendada para a tarde deste sábado, dia 16 de Setembro, no Centro de Desenvolvimento Deslocar Palavras, no Barreiro, em duas sessões.
A criança que eu fui não leu livros com personagens com deficiência. Hoje não faltam títulos sobre o tema. E, quando não existem textos sobre condições específicas, as novas plataformas de publicação facilitam que sejam escritos e partilhados. É um motivo de contentamento.
A representação das crianças com deficiência nos produtos culturais ocupa um papel significativo no desenvolvimento infantil. Isto porque ajuda os pequenos leitores a compreender melhor a realidade que os rodeia, oferecendo-lhes a oportunidade de cultivar a empatia e o respeito pelas diferenças, sejam elas físicas, funcionais, religiosas ou culturais. Gosto de pensar que esta multiplicidade de narrativas pode ajudar a tornar o primeiro contacto com a escola mais rico e seguro.