Quinze hospitais não fazem aborto voluntário e dois deles não dão resposta atempada
Retrato feito pela Entidade Reguladora da Saúde aponta ainda a inexistência de um registo completo de objectores de consciência. No ano passado, número de IVG subiu 15% face a 2021.
Há 15 hospitais que não realizam interrupção voluntária da gravidez (IVG) e, destes, dois não garantem o encaminhamento das mulheres para que tenham uma resposta atempada, concluiu a Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Da análise que fez, apurou que há instituições sem procedimentos definidos e unidades que só recebem mulheres residentes na área de influência da unidade de saúde.
A avaliação foi feita na sequência de relatos publicados pelo Diário de Notícias de dificuldades no acesso à interrupção voluntária da gravidez. A questão levou à realização de várias audições na Comissão Parlamentar de Saúde e à realização de uma análise à situação nacional por parte do regulador da saúde, com base em informação enviada pelos estabelecimentos de saúde, Direcção-Geral da Saúde e Ordem dos Médicos.
Com os dados recolhidos entre 16 e 22 de Março, a ERS concluiu que no final de Fevereiro deste ano existiam 29 hospitais oficiais (SNS) e duas unidades oficialmente reconhecidas para o efeito a realizar IVG em Portugal continental e que nenhum dos 55 agrupamentos de centro de saúde o fazia. Apenas cinco realizavam consultas prévias, mas “nem sempre devidamente registadas”. Havia também “desconhecimento” de alguns prestadores sobre os esclarecimentos a dar às mulheres.
Relativamente aos hospitais, 15 não faziam IVG, e 13 destas entidades tinham procedimentos capazes de assegurar resposta atempada às mulheres. Porém, “duas das 15 entidades não tinham procedimentos instituídos capazes de garantir a realização atempada de IVG, nomeadamente através da referenciação das utentes”, revela a ERS, num relatório divulgado esta quarta-feira.
Da análise dos procedimentos em vigor, quer nas entidades que realizavam, quer nas que não realizavam procedimento de IVG, a ERS verificou “três situações em que apenas é permitida a realização de IVG a utentes residentes na área de influência da unidade hospitalar”, “duas situações em que as utentes são obrigadas a iniciarem o seu percurso pelos cuidados de saúde primários” e “uma situação em que não é garantida a referenciação das utentes para a unidade hospitalar protocolada para a realização da IVG”.
Em relação às unidades que faziam IVG, “sete não tinham procedimentos definidos, embora existissem orientações internas sobre as fases do atendimento às utentes”.
Objectores de consciência
O regulador concluiu, das respostas que recebeu, que “não existe um registo completo e actualizado de todos os profissionais de saúde objectores de consciência, tanto nos cuidados hospitalares como nos cuidados primários, informação que também não está disponível na Ordem dos Médicos”. Em alternativa, optou por analisar o número de especialistas a realizar IVG quer nos estabelecimentos oficiais, quer nos oficialmente reconhecidos.
“Dos dados obtidos, foi possível concluir que, a 28 de Fevereiro de 2023, cerca de 13% dos especialistas em Ginecologia-Obstetrícia, a exercer funções em entidades oficiais, realizavam IVG”, diz a ERS, que acrescenta que “o Alentejo e o centro eram as regiões de saúde que tinham maior proporção de médicos especialistas nas entidades oficiais a realizar IVG”.
Em termos absolutos, o Norte contava com 22 ginecologistas/obstetras a realizar IVG (7,9% do total de especialistas nos estabelecimentos públicos que realizavam IVG), o centro com o mesmo número (19,5%), Lisboa e Vale do Tejo com 27 (16,3%), o Alentejo com quatro (57,1%) e o Algarve com seis (15,4%).
“Comparando a evolução da percentagem destes profissionais de saúde entre 2018 e 2023, conclui-se que nos últimos dois anos esta tem vindo a diminuir em Portugal continental – com excepção do ano de 2020, embora o número absoluto de médicos que realizam IVG se tenha sempre situados entre 81 e 91”, acrescenta ainda o relatório.
Segundo a ERS, no ano passado realizaram-se 15.616 IVG, “o que corresponde a um aumento de 15% face a 2021”. A maioria foi realizada em unidades do SNS da região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
“Embora em muitos casos não tenha sido possível identificar o motivo associado à diferença entre o número de consultas prévias e IVG realizadas, apuraram-se 1366 situações em que o procedimento não foi realizado por ter sido ultrapassado o prazo legalmente estabelecido”, refere a ERS, que acrescenta que no ano passado “o tempo médio de espera para consulta prévia foi inferior ao legalmente estabelecido (cinco dias)”.
Contudo, salienta, “em 2022, a região de saúde do centro registou um tempo médio de espera entre o pedido de marcação e a realização da consulta prévia superior a cinco dias, situando-se o tempo médio da região de saúde do Algarve próximo do legalmente estabelecido”.
Reclamações e inquéritos
O regulador faz ainda um balanço dos inquéritos e das reclamações recebidas nos últimos anos. Em relação aos primeiros, adianta que entre 2015 e 2022 instaurou e decidiu oito processos de inquérito relacionados com dificuldades no acesso a IVG, tendo sido emitidas instruções e recomendações a nove entidades de saúde.
Quanto às reclamações, explica que até 17 de Fevereiro de 2023 não era possível identificá-las directamente com a temática da IVG. Foi nessa altura que o regulador criou uma categoria, denominada “Restrição à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)”. Até ao dia 26 de Julho receberam 11 reclamações integradas na nova categoria: “Três com data de ocorrência de 2022 e oito relativas ao ano de 2023, com a grande maioria das reclamações a visar estabelecimentos de saúde localizados na região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo.”
“Considerando as evidências recolhidas, à luz do enquadramento normativo vigente e das atribuições regulatórias da ERS, será garantida a necessária actuação regulatória junto dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde primários e hospitalares para salvaguarda do acesso à realização da IVG, promovendo-se a implementação dos procedimentos ínsitos à salvaguarda da tempestividade, integração e regularidade da prestação de cuidados de saúde em causa”, conclui o regulador.