Comissão Europeia comprometeu-se a acabar com a pecuária em gaiolas. Agora voltou atrás

No discurso do Estado da União, esta quarta-feira, Ursula von der Leyen ignorou o compromisso de banir a pecuária em gaiolas.

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Bruxelas adia compromisso de acabar com a pecuária em gaiolas Reuters/LAM YIK
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​Foi o resultado de uma petição com mais de um milhão de assinaturas: a Comissão Europeia comprometeu-se a acabar com o uso de gaiolas na pecuária. Contudo, o tema esteve ausente do discurso do Estado da União de Ursula Von der Leyen – o último do seu mandato –, que aconteceu ao longo da manhã desta quarta-feira. E isso não passou em branco para os activistas europeus pelo bem-estar animal.

Olga Kikou, uma das representantes da iniciativa cidadã que alcançou 1,4 milhões de assinaturas desde 2020 (e devia ter tido uma resposta no terceiro trimestre de 2023), fala em "desdém pela participação cívica".

A iniciativa End the Cage Age, da organização não-governamental Compassion in World Farming, queria acabar com o uso de gaiolas na pecuária, realidade que, de acordo com os números fornecidos pela organização, afecta cerca de 300 milhões de animais na UE todos os anos. Além de terem conseguido mais de um milhão de assinaturas de cidadãos de 18 Estados-membros diferentes (dois dos critérios para chegar a ser avaliada pela Comissão), esta iniciativa teve ainda o apoio de dezenas de deputados do Parlamento Europeu, bem como de mais de 170 organizações de toda a Europa, do Comité Europeu das Regiões, cientistas, organizações veterinárias, empresas e organizações de activistas a favor da protecção do ambiente, da saúde e da pecuária.​

Por terem alcançado o número de assinaturas requerido, a Comissão Europeia foi obrigada a avaliar a proposta e tomar uma decisão. E, em 2021, fez um compromisso histórico de acabar com o uso de jaulas na pecuária na UE. Comprometeu-se a apresentar uma nova proposta de lei até ao terceiro trimestre de 2023, revendo assim a legislatura existente sobre o bem-estar animal, e cumprindo dessa forma a vontade de 1,4 milhões de cidadãos.

Contudo, esta segunda-feira, o Financial Times noticiava que Bruxelas poderia deixar cair a promessa de leis mais restritas na pecuária — o que veio, em parte, a confirmar-se esta quarta-feira, quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, não mencionou qualquer plano nesse sentido durante o discurso sobre o Estado da União. Sobre agricultura e pecuária, a presidente apenas anunciou ter o objectivo de promover “mais diálogo”, que quer que seja mais “estratégico sobre o futuro da agricultura na União Europeia”.

“Estou convencida de que a agricultura e a protecção do mundo natural podem estar de mãos dadas. Precisamos de ambos”, disse.

Para Olga Kikou, líder da Compassion in World Farming e representante substituta da iniciativa End the Cage Age, a omissão é “escandalosa”. “A Comissão Europeia voltou atrás na sua palavra de dar aos animais uma vida digna, submetendo-se às exigências do lobby da agricultura”, afirmou, citada em comunicado. Kikou chega mesmo a afirmar que se coloca em causa o poder das iniciativas cidadãs: “Falhar com o compromisso é falhar com a democracia e uma demonstração de desdém pela participação cívica. Traíram a confiança dos cidadãos e tornaram a democracia da União Europeia vazia. Aproximam-se as eleições europeias e isto não vai passar despercebido”.

Agora, promete que a Compassion in World Farming vai explorar todas as opções disponíveis para assegurar que a UE responde e corresponde “àquilo que é a clara vontade da população”.

As iniciativas cidadãs são um instrumento da União Europeia com o objectivo de aumentar a democracia directa. Foi introduzido com o Tratado de Lisboa, em 2007. Assim que uma iniciativa atinge o milhão de assinaturas de, pelo menos, 18 Estados membros diferentes, a Comissão Europeia avalia a proposta e toma uma decisão. Em mais dez anos de história de propostas para as ICE, apenas nove chegaram a esse estatuto, uma delas é a End the Cage Age.

Texto editado por Inês Chaíça

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