Chuvas e inundações matam pelo menos 32 pessoas no Sul do Brasil

O Rio Grande do Sul, onde este é já o maior desastre natural dos últimos 40 anos, superando o ciclone de Junho, a intempérie fez 31 mortos. A outra morte aconteceu em Santa Catarina.

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Em Lajeado, um pai viu a mulher e os dois filhos, de 21 meses e de três meses, serem levados pela enxurrada Reuters/DIEGO VARA
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As fortes chuvas que atingiram nos últimos dias o Sul do Brasil, acentuadas pela formação de um ciclone extratropical, sobretudo o estado do Rio Grande do Sul, embora se estendendo também ao de Santa Catarina, fizeram pelo menos 32 mortos e perto de três mil desalojados. Ao todo, 66 municípios, onde residem 2,7 milhões de pessoas, foram afectados.

Mais dez mortes foram confirmadas nesta quarta-feira pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Com a morte registada na segunda-feira em Santa Catarina, subiu para 32 o número de vítimas mortais da tragédia.

Para o Rio Grande do Sul, trata-se do maior desastre natural em 40 anos e a segunda grande tragédia do género dos últimos meses, depois das inundações de Junho que causaram 16 mortes.

“Não tem sido um ano fácil para o Rio Grande do Sul”, disse o governador ao G1 na terça-feira à noite. “Mas nosso povo é resiliente e forte, e nós vamos estar unidos para superar essa adversidade, com toda a estrutura, com os servidores públicos, os militares, civis, voluntários, acções, prefeituras, sociedade civil engajada. Cada vida perdida não pode ser reposta, a gente lamenta cada uma delas. Vamos dar todo suporte para essas famílias."

Nas redes sociais, Eduardo Leite referiu, na tarde desta quarta-feira, que o estado de calamidade pública foi decretado e que se estava a dirigir para a zona mais afectada com alguns ministros do Governo federal – o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, e o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes.

“Anunciei há pouco a decretação de estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul por conta das cheias que já deixam 31 mortos. Estamos mobilizados para resgatar as vítimas e reconstruir tudo que foi destruído pela tempestade.”

Entretanto, mais três aeronaves eram esperadas para ajudar nas buscas e salvamentos, para se juntar às cinco que já estão a ser usadas nas operações. De acordo com a Defesa Civil do estado, citadas pela Folha de S. Paulo, os meios aéreos são disponibilizados pelo Exército brasileiro e pelos governos de Santa Catarina e do Paraná.

Na terça-feira à noite, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva referira a necessidade de se reforçar os meios aéreos disponíveis. "Estamos em contacto com o Governo federal para que mais helicópteros sejam incorporados ao grupo de resgate no Vale do Taquari. A noite chegou, a temperatura caiu e há pessoas aguardando por socorro ao ar livre", escreveu.

Segundo o balanço divulgado pela Defesa Civil no final da tarde de terça-feira, só no Rio Grande do Sul há 1650 desabrigados (que ficaram sem casa ou a mesma ficou afectada em grande medida e precisam de auxílio do governo), 2.984 desalojados (retirados preventivamente), 309 residências ficaram total ou parcialmente sem telhado e três casas foram destruídas.

Vale inundado

Na terça-feira, cidades do Vale do Taquari amanheceram debaixo de água, e famílias tiveram que subir aos telhados para escapar da inundação. Em Roca Sales, uma mulher e um bebé foram içados por um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal.

Ainda no Vale do Taquari, seis pessoas de uma mesma família foram resgatadas de helicóptero pelo telhado da residência, que fica na zona rural do município de Arroio do Meio. A casa foi completamente invadida pela água.

Em Encantado, a Defesa Civil fez um apelo para a mobilização de proprietários de barcos e de motocicletas aquáticas para a retirada de pessoas ilhadas. Também foram feitos pedidos de doação de colchões, cobertores, travesseiros e roupas.

A cidade Muçum foi a mais atingida entre todas. Quase metade dos mortos (15) aconteceu nesta sede de um município que ficou inundado a 85%, de acordo com a Defesa Civil. Em entrevista ao jornal Zero Hora, o subchefe da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, o coronel Marcus Vinícius Gonçalves Oliveira, afirmou que é possível que mais corpos venham a ser encontrados em Muçum.

Em Lajeado, Miguel Rutigliano viu a água levar a mulher, Ariel, de 26 anos, e os dois filhos do casal, Yasmin, de 1 ano e 9 meses, e Miguel, de 3 meses. Segundo contou à Folha, a família tinha-se refugiado no telhado da casa por causa da subida das águas, mas enquanto esperavam socorro, a casa foi levada na enxurrada. Ele ficou inconsciente e acabou resgatado, da mulher e dos filhos não soube mais nada.

Ciclone não foi causa, mas consequência

Segundo disse à Folha de S. Paulo o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de operações e modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o ciclone extratropical não foi a causa das fortes chuvas que atingiram a região, e sim sua consequência.

"A causa da chuva foi uma frente fria estacionária, por isso choveu no fim-de-semana inteiro. Na segunda-feira, coincidiu uma área de baixa pressão na alta atmosfera. Essa combinação derivou na formação de um ciclone extratropical, que rapidamente se encaminhou para o oceano. Ou seja, ele foi a consequência e não a causa da chuva", explica Seluchi.

Ciclones extratropicais deste género formam-se praticamente todas as semanas no Oceano Atlântico, segundo meteorologistas. São centros de baixa pressão atmosférica que se formam fora dos trópicos, em médias e altas latitudes, segundo explica ao mesmo jornal Estael Sias, meteorologista da empresa MetSul Meteorologia.

Comuns na história climática brasileira, esses fenómenos costumam formar-se no extremo sul do país, entre o Rio Grande do Sul e os países vizinhos da Argentina e Uruguai.

"É formado pelo contraste de massas de ar quente e frio. Parte da sua acção é sugar toda a humidade para essa região do centro de baixa pressão e jogar para a atmosfera, resfriando e transformando a humidade em nuvens. É nesse processo que o fenómeno espalha chuva e vento", explica Estael Sias.

O problema é que, para alguns especialistas, as alterações climáticas podem estar a contribuir para o surgimento de ciclones extratropicais atípicos, mais intensos, que podem formar-se com mais rapidez e causar um impacto maior.

"Pela minha experiência de 20 anos de previsão de tempo, acredito que esse cenário das mudanças climáticas de alguma forma tem ajudado ou tem auxiliado na formação desses ciclones com características especiais", acrescentou.