França: tapar a penúria da educação com o tecido da abaya?

Quase 300 raparigas foram interpeladas por levarem a túnica tradicional muçulmana que cobre todo o corpo no regresso às aulas, 67 delas acabaram por ser impedidas de entrar na escola.

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Uma mulher vestida com abaya na cidade francesa de Nantes Stephane Mahe/REUTERS
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O Governo de Emmanuel Macron está fortemente empenhado na laicidade da escola em França, por isso, faz cumprir à risca a proibição do uso da abaya nos estabelecimentos escolares que passou a vigorar desde 31 de Agosto. Na perspectiva de especialistas e representantes de sindicatos, o que o executivo francês está a fazer é uma manobra de diversão: perante os graves problemas no sector da educação, escolhe desviar a atenção para a questão menor das abayas.

No regresso às aulas, segundo números do Ministério da Educação, 298 alunas foram interpeladas por usarem a tradicional túnica muçulmana que esconde as formas do corpo, a maioria acabou convencida a despi-la antes de entrar na escola, depois “de explicações, de diálogo, de pedagogia”, de acordo com o ministro da Educação francês, Gabriel Attal. Só 67 foram barradas e “tiveram de voltar para casa”.

“A escassez de professores é dramática”, escrevia o semanário alemão Die Zeit sobre a educação em França, referindo que dias antes do começo do ano lectivo, de segunda-feira, os professores reconvertidos ainda estavam a ter formação. Attal admitiu a existência de problemas, citado pelo canal BFMTV, mas acrescentou que este ano “há melhores condições que no ano passado porque há menos lugares por preencher”.

Em Julho, o seu antecessor à frente da pasta, Pap Ndiaye, tinha referido, no entanto, que haviam ficado por preencher 3100 lugares no último concurso. No entanto, Attal garante que desses, muitos acabaram preenchidos por professores contratados posteriormente.

Macron havia prometido professores em todas as turmas no regresso às aulas dos 12 milhões de estudantes (que se vai fazendo gradualmente ao longo desta semana), mas “a escassez de professores continua a estar na ordem do dia”, escreve a France 24 no seu site.

O Presidente francês apelidou de “dever republicano” a promessa “de um professor em cada classe”, mas sem conseguir cumprir o prometido, o executivo lançou-se no combate à abaya como outro dever republicano. Aliás, numa demonstração de quanto o tema lhe é caro, o Governo de Macron publicou em 2021 um manual de 114 páginas sobre “a laicidade na escola”.

Attal quis sublinhar que “a escola não estigmatiza ninguém”, mas há “regras” que é preciso seguir. Para o Governo francês, a abaya é um símbolo religioso e, como tal, não pode ser envergado na escola; para o Conselho Francês do Culto Muçulmano, a abaya “não é” um símbolo religioso, mas “uma forma de moda”, como explicou em Julho na BFMTV o seu vice-presidente, Abdallah Zekri.

Outra associação, a Acção Direitos dos Muçulmanos, solicitou ao Conselho de Estado que se pronunciasse sobre o assunto e suspendesse a proibição do uso da indumentária nas escolas francesas.

Perante o debate sobre a abaya, o ministro da Educação resolveu lançar para a mesa outro tema de discussão, a possibilidade de introduzir uniformes ou normas de vestuário nas escolas públicas, algo que foi abolido em 1968, mas que volta e meia emerge como tema em França, alimentado pela direita.

Attal disse à BFMTV que no Outono apresentará um calendário para experiências-piloto nas escolas que quiserem participar. “Não acho que o uniforme escolar seja uma solução milagrosa que resolve todos os problemas relacionados com o assédio, as desigualdades sociais ou o secularismo”, explicou, mas “temos de fazer experiências”.

A primeira-dama, Brigitte Macron, numa entrevista ao Le Parisien, em Janeiro, lembra a Reuters, defendera o uniforme, explicando que “apagava as diferenças” e permitia “poupar tempo” e “dinheiro”.

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