Sudão do Sul, as “estrelas brilhantes” a caminho de Paris
O país mais novo do mundo qualificou-se para o torneio olímpico de basquetebol no próximo Verão. Uma equipa feita de refugiados e filhos de refugiados.
Luol Deng tinha três anos em 1985 quando foi obrigado a fugir do seu país. O pai, que fazia parte do Governo do Sudão, achou que não era seguro, mandou toda a família – a mulher e os oito filhos – para o Egipto e ficou para trás. Tinha razão para estar preocupado. Aquela que ficaria conhecida como a II Guerra Civil do Sudão estava apenas a começar e iria durar até 2005 - e não foi a última. O pai foi preso, mas a família acabaria por se reunir em Londres. A partir da capital britânica, Deng iniciou um caminho que o iria levar ao melhor basquetebol do planeta, a NBA, onde foi jogador de topo durante mais de uma década. Quando a guerra acabou e nasceu um novo país (em 2011), o Sudão do Sul, Deng já não foi a tempo de jogar pelo seu país – jogou pela Inglaterra. Mas encontrou uma forma de ajudar.
Com dinheiro do próprio bolso, o antigo jogador dos Chicago Bulls ajudou a fundar uma federação de basquetebol e a criar uma selecção, que já tinha feito história apenas por estar no Mundial. Mas essa história já é antiga. Em 2024, o basquetebol do Sudão do Sul vai estar nos Jogos Olímpicos de Paris, tendo garantido a vaga ao ser a melhor selecção de África neste Mundial de organização partilhada por Filipinas, Indonésia, Japão e Singapura. Na fase preliminar, as “Estrelas Brilhantes” não estiveram longe de bater Porto Rico e perderam por muitos com a Sérvia, mas derrotaram a China e, nos jogos para definir a classificação, bateram as Filipinas, reservando o lugar em Paris ao derrotar Angola, um cliente habitual dos Jogos, por 101-78.
Para um país que existe há apenas 12 anos, é um feito extraordinário. Ainda mais extraordinário se torna quando sabemos que o Sudão do Sul é um dos países mais pobres do mundo, que raramente conheceu paz. Mas não desprovido de tradição no basquetebol. O gigante Manute Bol foi um jogador imensamente popular pelo seu estilo único e pela sua dimensão humana (também esteve muito envolvido em causas humanitárias), mas de utilidade limitada, eficaz sobretudo nos desarmes de lançamento e sem grande competência ofensiva. E Deng, que foi treinador da selecção e ainda acumula funções de adjunto com as de presidente da federação, chegou a ser duas vezes All-Star durante a sua carreira de 15 épocas na NBA.
"Serve de inspiração"
Saído de uma guerra que causou mais de dois milhões de mortos e mais de quatro milhões de refugiados, Deng nunca se negou às causas humanitárias e o basquetebol também tem o seu papel a cumprir no objectivo de levantar um país. “É apenas basquetebol, mas serve de inspiração. Queremos que as pessoas vejam as coisas positivas e o que podemos alcançar como nação. Sendo um país tão novo, é algo que vamos celebrar por muito tempo”, contava Deng à Al-Jazeera antes do início do Mundial.
Deng foi eleito presidente da federação em 2019 – não tinha ninguém a concorrer contra ele – e assumiu o comando da selecção, recrutando jogadores na diáspora, jovens que tinham passado pelo mesmo que ele ou sudaneses de segunda geração. Quando ele chegou, não havia dinheiro para nada e financiou tudo isto do próprio bolso. “Sempre achei que podemos ser uma potência no basquetebol africano, assim como o Quénia ou a Etiópia dominam no atletismo. Por isso, meti o meu próprio dinheiro. Todos ficaram surpreendidos com aquilo que conseguimos fazer”, disse.
O primeiro passo foi entrar no AfroBasket 2021, onde chegaram aos quartos-de-final (eliminados pela campeã Tunísia), depois conseguiram chegar ao Mundial como a melhor selecção da qualificação (11 vitórias em 12 jogos). E agora, Jogos Olímpicos. “Não tenho palavras. É surreal! Esta equipa é um raio de luz. Como tenho dito sempre, a nossa força é união, camaradagem, amor e amizade. É incrível, este país é independente há apenas 12 anos e tiro o chapéu aos meus jogadores”, exclamou o treinador Royal Ivey, um norte-americano que também jogou na NBA, antigo colega de liceu de Luol Deng que, segundo o próprio, lhe deu as primeiras sapatilhas para poder jogar, e cuja família o acolhia durante as férias de escola.
Histórias de superação
Nove dos 12 jogadores que estiveram no Mundial nasceram em África, quase todos no Sudão, os outros em campos de refugiados. Os que já nasceram fora do continente africano são de famílias que fugiram à guerra. E todos têm uma história de superação para contar. Wenyen Gabriel, um dos que jogam na NBA (nos Lakers), tinha apenas duas semanas de vida quando a família fugiu de Cartum, em 1997, para o Egipto, fixando-se, depois, nos EUA. E só em 2022 é que regressou ao país onde nasceu.
Gabriel é um de dois que, na última época, jogaram na NBA – o outro é Carlik Jones, base dos Bulls e MVP da G-League na temporada que passou e, quem sabe, talvez vá ter Bol Bol, filho de Manute nascido em Cartum, que também joga na NBA e é bem mais talentoso que o pai. Cinco jogam na Austrália, um joga na Bielorrússia e outro no Taiwan, mas quem verdadeiramente captou a atenção foi o único que ainda joga em África (no Senegal), um jovem de 16 anos com 2,16m de altura chamado Khaman Maluach, o mais novo do torneio. O seu impacto neste Mundial não foi grande – médias de 2 pontos e 3,8 ressaltos – mas os observadores reconhecem-lhe grande potencial e dão-no como uma escolha de topo no draft da NBA em 2025.
A sua história é igual à de muitos dos seus colegas de equipa. Nasceu no Sudão, cresceu num campo de refugiados no Uganda e deu os seus primeiros passos no basquetebol num campo organizado por Luol Deng. Depois, começou a ver vídeos da NBA e descobriu que existia um jogador chamado Giannis Antetokounmpo, nascido na Grécia filho de imigrantes ilegais da Nigéria e, actualmente, considerado um dos melhores jogadores do mundo. “Ele é quase da minha altura, agressivo, afunda. Quando vi o que ele fazia, achei logo que também conseguia. É por causa dele que eu jogo basquetebol.”
Maluach entrou para uma academia da NBA no Senegal e daqui talvez vá para o basquetebol universitário nos EUA – fala-se do interesse de Duke, que tem muita tradição em lançar jogadores para o profissionalismo – ou, então, talvez salte directamente para a Liga. Esse é um dos seus sonhos, mas não é o único, porque ele, tal como Manute Bol ou Luol Deng, também tem vontade de ajudar. “Quando me retirar, quero voltar a casa e mudar tudo. Quero construir coisas. Quero mudar o meu país.”