Gabão vai às urnas sem grande esperança de deixar de ser um feudo dos Bongo

Ali Bongo Ondimba concorre à reeleição num país que a sua família domina há 56 anos. Vastos recursos naturais não evitam que mais de um terço dos gaboneses viva abaixo do limiar da pobreza.

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Boletins de voto transportados para uma assembleia eleitoral de Libreville, a capital gabonesa Reuters/STRINGER
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Se Ali Bongo Ondimba for bem-sucedido e conseguir ser reeleito para um terceiro mandato de sete anos como Presidente do Gabão, sucedendo ao pai, Omar Bongo, que morreu em 2009, haverá poucas pessoas vivas no país que se lembrem de outro chefe de Estado que não seja da família Bongo, controladora dos destinos gaboneses desde a morte do primeiro Presidente, Léon Mba, em 1967.

E tudo se encaminha para isso, nestas eleições de sábado, que visam eleger o Presidente e o novo Parlamento. Com 19 candidatos na corrida, Ali Bongo tem apenas quatro adversários com capacidade para disputar o resultado: o professor de Economia e ex-ministro da Educação Albert Ondo Ossa, de 69 anos, da coligação de seis partidos Alternância 2023; o ex-ministro das Minas Alexandre Barro Chambrier; o líder do Partido Social Democrata, Pierre-Claver Maganga Moussavou; e o ex-primeiro-ministro Raymond Ndong Sima.

Mas num país sem limite de mandatos onde os Bongo são reis e senhores, muito dificilmente se desafia o sistema com sucesso. Daí as denúncias da oposição de manipulação eleitoral, consubstanciadas num novo sistema de voto único, aprovado por decreto no início deste mês.

Cada boletim de voto tem agora o candidato a Presidente e um candidato a deputado do mesmo partido e votar no deputado implica votar no candidato presidencial. Um sistema que parece ter sido feito para retirar possibilidades aos candidatos independentes, nomeadamente ao principal opositor de Bongo, Albert Ondo Ossa. Que, apesar de ser apoiado por uma coligação de seis partidos, não pode usufruir da transferência de voto de nenhum dos candidatos a deputados que o apoia.

Com este estratagema, Bongo Ondimba garante que, mesmo perdendo a eleição, a sua formação política, o Partido Democrático Gabonês, pode manter a maioria absoluta que detém actualmente, com 96 dos 143 deputados.

Para a oposição, trata-se de um claro atropelo à separação de poderes entre o executivo e legislativo.

Outro aspecto a ser considerado, diz a Europa Press, é que, no Gabão, não é necessária uma maioria para governar. Uma vez ultrapassado o limite mínimo de participação, o candidato com mais votos vence. Em 2016, Ali Bongo foi o vencedor com 49,8% dos votos. E apesar de todas as denúncias de fraude, o Tribunal Constitucional confirmou a sua vitória.

Como afirmou Jean Ping, ex-presidente da Comissão da União Africana, citado pela mesma agência, as eleições “estão preparadas de antemão”, daí que, mesmo com a sua popularidade, tenha optado por não se candidatar ao que chama uma “simulação” de eleições.

Muitos recursos para poucos

Com recursos naturais abundantes – quarto maior produtor de petróleo da África subsariana, segundo maior produtor mundial de manganésio e um dos mais produtores de madeiras tropicais do continente – e um enorme potencial mineiro ainda por explorar – ferro, ouro, urânio, diamantes, cobre, zinco e terras raras –, o Gabão sofre dos males comuns a muitos países africanos: corrupção generalizada (no último Índice de Percepção da Corrupção, está entre os que apresentam “um nível historicamente baixo” em 2022), pobreza endémica (mais de um terço abaixo do limiar da pobreza), alta taxa de desemprego (37%).

Com o maior índice de urbanização do continente (quatro em cinco habitantes vivem em aglomerados urbanos) e 88% do território ocupado por floresta, o Gabão tem uma densidade populacional muito baixa, com apenas 2,3 milhões de habitantes. Em Libreville, a capital, e Port Gentil, vive 59% da população.

Tendo na memória a violência das eleições de 2016, que se saldou em três mortos e mais de mil detidos, os gaboneses vão às urnas este sábado sem grande esperança de mudança e isso pode vir a resultar violência se os resultados forem vistos, mais uma vez, como manipulados pelo poder em torno dos Bongo.

Por isso, Abdou Abarry, o diplomata nigerino que chefia a o gabinete das Nações Unidas para a África Central e é o seu representante especial para a região, pediu a todas as partes envolvidas que se abstenham de “qualquer forma de violência, intimidação ou ataques contra a liberdade de expressão”.

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