Acabar com vespa-asiática em Portugal “vai ser impossível”: foram destruídos 17 mil ninhos em 2022

Duas pessoas morreram, no último mês, após picada de vespa-asiática. É nos meses de Verão que há uma “explosão” destes insectos, mas já foram identificados mais de 2000 ninhos este ano.

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A vespa-asiática é um insecto invasor e predador de abelhas autóctones Adriano Miranda
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Em pouco mais de uma década, a vespa-asiática ocupou grande parte do território continental de Portugal, com milhares de insectos a voar pelo país: até Junho de 2023, foram identificados mais de 91 mil ninhos de vespa-asiática e destruídos mais de 88 mil, segundo os dados cedidos ao PÚBLICO pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Só no ano de 2022, foram observados e destruídos mais de 17 mil ninhos desta vespa invasora por todo o país. Os mesmos dados do ICNF indicam que os distritos com mais ninhos reportados e destruídos são Porto, Aveiro e Braga.

Esta espécie predadora da abelha do mel “felizmente” ainda não foi avistada em todo o país, comenta o investigador José Aranha, que tem acompanhado a expansão destas vespas – e diz que o avistamento confirmado mais a sul aconteceu em Grândola. Também houve avistamentos na linha de Évora, mas nos territórios a sul de Grândola e nas ilhas não há ainda registo confirmado deste insecto. Tem sido uma progressão “lenta” para sul, refere o investigador – mas não é de ignorar.

Há pistas que apontam para que haja ainda mais vespas (além das que não são detectadas): desde a introdução acidental da vespa-asiática em Portugal no ano de 2011 (em Viana do Castelo) até 2023, foram identificados mais de 140 mil ninhos de vespa, no total, segundo os dados fornecidos ao PÚBLICO por José Aranha, que também é professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Estes dados diferem ligeiramente dos do ICNF, por se tratar de um somatório dos dados do ICNF e dos que a UTAD recebe dos municípios (como estão georreferenciados, é possível eliminar os duplicados). Para a contagem entram também os dados da GesVespa, Control Vespa e GoVespa. Nessa base de dados, foram identificados em 2022 mais de 21 mil ninhos de vespa-asiática (cujo nome científico é Vespa velutina). O ano com mais ninhos identificados foi 2021, com mais de 34 mil.

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Já os dados cedidos pelo ICNF ao PÚBLICO (referentes à plataforma StopVespa) dão conta de um total de 91.573 ninhos de vespas-asiáticas avistados e registados até Junho de 2023 – destes, 88.722 foram destruídos. Em 2023 (até Junho), há registo de 2281 ninhos de vespas-asiáticas.

Explosão de vespas

O número de vespas é muito maior nos meses de Verão, sobretudo de Julho a Outubro. “No fim de Junho, quando as colónias já estão instaladas, é que se dá a explosão do número de vespas de algumas centenas por ninho para milhares de vespas por ninho”, explica José Aranha ao PÚBLICO. Torna-se “problemático”: aumenta o risco para as abelhas do mel, mas também para os humanos. No último mês, houve registo de duas mortes por picada de vespa-asiática.

Um homem de 88 anos morreu na segunda-feira de manhã depois de ter sido picado por vespas-asiáticas em Freixiosa, Mangualde, confirmou ao PÚBLICO o comandante dos Bombeiros de Mangualde, Márcio Teles. O alerta foi dado através do 112 para a picada e reacção alérgica de uma mulher também de 88 anos, mas quando chegaram ao local descobriram uma segunda vítima: o homem de 88 anos, que se encontrava já em paragem cardiorrespiratória. O óbito foi declarado no local. A mulher foi encaminhada para o Centro Hospitalar Tondela-Viseu e encontra-se estável.

O comandante refere que não havia registo deste ninho, que se encontrava numa árvore perto de um rego de água e de um caixote do lixo, e adianta que o ninho foi destruído pelos serviços municipais após a chamada de socorro. O comandante refere que houve outra morte há alguns anos, também por picada de vespa-asiática, em Tabosa, Mangualde. “Pontualmente, vai havendo situações destas, mas não com este desfecho”, disse ao PÚBLICO, mencionando uma “grande dispersão” destes insectos. O Jornal de Notícias noticiou ainda a morte de um funcionário de 60 anos da Protecção Civil da Câmara de Mafra, que morreu no final de Julho, após ter sido picado na língua por uma vespa-asiática.

“O problema das picadas não é a vespa em si, é a alergia das pessoas”, refere o professor José Aranha. Em caso de alergia, a picada pode ser fatal. Estas vespas também podem representar perigo se uma pessoa for picada por um grande número de vespas, já que se trata de um insecto grande e a quantidade de veneno pode tornar-se letal.

O Manual de Boas Práticas no Combate à Vespa Velutina refere que a picada da vespa só gera, por norma, uma “reacção local, com dor, comichão, vermelhidão e inchaço no local da picada”. Mas, nos casos de reacção alérgica grave em que haja anafilaxia, os sintomas podem ser diferentes. Pode haver náuseas, vómitos, falta de ar, tonturas, taquicardia e até mesmo choque anafiláctico com paragem cardiorrespiratória. Nesses casos, é preciso contactar o 112.

A vespa-asiática pode ultrapassar os três centímetros de tamanho e distingue-se pelas extremidades amarelas das patas. Tem a cabeça preta, face alaranjada, asas fumadas e o tórax e abdómen negros, com duas pequenas faixas amarelas. Podem ser confundidas com outras vespas de grande dimensão, como a vespa-europeia.

O investigador José Aranha não considera que a vespa-asiática seja propriamente agressiva – só quando os seus ninhos são tocados ou destruídos (mesmo que acidentalmente) é que a vespa-asiática se torna agressiva, diz: aí, sim, perseguem e podem picar. Também é preciso cuidado quando se trabalha com motosserras ou máquinas que produzam vibração a poucos metros dos ninhos, assim como quem trabalhe a cortar mato (em silvados, por exemplo, onde a vespa-asiática também pode fazer ninho, ou no abate de árvores).

A destruição dos ninhos deve ser feita por pessoas especializadas e com equipamento próprio. “Apesar do transtorno causado, devemos viver com tranquilidade, mantendo o cuidado sobretudo aquando da localização dos ninhos, que somente devem ser destruídos por técnicos preparados para o efeito”, refere o ICNF numa nota enviada ao PÚBLICO. Cada avistamento de vespa-asiática ou dos seus ninhos deve ser reportado no site stopvespa.icnf.pt ou contactando a linha SOS Ambiente (808 200 520)​.

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O investigador da UTAD refere que os gabinetes técnicos florestais têm muito trabalho e que, no Verão, acumulam as suas funções de controlo da vespa-asiática com a gestão de incêndios florestais. Uma das suas ideias seria criar um gabinete próprio nas câmaras para monitorização e controlo da vespa-asiática – e teria de ser alguém com conhecimento técnico, ressalva. Quanto à actuação de Portugal no combate à vespa-asiática, considera que se deveria apostar mais na prevenção: “Somos reactivos, não proactivos”, considera.

“Acabar com as vespas-asiáticas em Portugal vai ser impossível”, garante José Aranha, dizendo que elas encontram em Portugal excelentes condições para viver. Também o ICNF refere que “a erradicação não é possível”, e que o importante é detectar e destruir ninhos. O que se pode fazer, aponta o professor da UTAD, é “controlar, minimizar e reduzir para números controláveis”.