Presidente promulga progressão da carreira dos professores. Sindicatos mantêm luta
No mesmo dia, Marcelo vetou quase todo o pacote da habitação e deixou passar o da carreira dos professores. Sindicatos que representam docentes prometem novos protestos no arranque do ano lectivo.
O Presidente da República promulgou nesta segunda-feira o diploma do Governo que reformula as regras de progressão da carreira dos professores: o decreto que acelera a progressão da carreira dos educadores de infância e professores do ensino básico e secundário já antes tinha sido vetado por Marcelo Rebelo de Sousa. A promulgação foi anunciada no site da Presidência, sem quaisquer considerações adicionais.
"Atendendo à abertura, incluindo na presente legislatura, constante das últimas versões dos diplomas, para a questão da contagem do tempo de serviço, o Presidente da República promulgou o diploma do Governo que estabelece um regime especial de regularização das assimetrias na progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como o diploma do Governo que define uma medida especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público", lê-se na nota presidencial que não acrescenta mais nenhuma argumentação.
Depois do veto, no final de Julho, Marcelo Rebelo de Sousa já havia dito que a sua intenção era promulgar o novo texto enviado pelo executivo porque o Governo deixara a “porta entreaberta” às suas exigências mínimas, permitindo que no futuro seja contabilizado mais do que um terço do tempo congelado. “Foi uma situação complicada porque o Governo queria fechar a porta e eu queria abrir a porta; não é muito fácil ao mesmo tempo fechar e abrir”, disse o Presidente aos jornalistas, referindo que esta disponibilidade mostrada pelo Governo “provavelmente" seria "suficiente para promulgar” o novo texto.
Para os sindicatos que representam os professores, a promulgação deste diploma significa mais um ano lectivo de lutas pela frente. Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), considera que este diploma não resolverá, “nenhuma assimetria da carreira docente” e que cria mesmo “novas assimetrias”.
“Não conta nem um dia do tempo de serviço que foi congelado, não acaba com as vagas que impedem muitos professores de progredir na carreira em alguns escalões, não elimina as quotas da avaliação." É um diploma que, nota o dirigente sindical, não dá resposta à principal reivindicação dos professores: a recuperação do tempo integral de serviço de seis anos, seis meses e 23 dias de trabalho que falta contabilizar para efeitos de progressão na carreira, assim como a “discriminação entre os professores e o resto da função pública, e em relação aos colegas da Madeira e dos Açores — onde foi negociada a recuperação do tempo de serviço docente congelado".
Ressalvando não conhecer ainda a versão final do diploma, não espera que tenham sido feitas grandes alterações. “O Governo terá lá metido uma ou outra palavra de sentido muito abstracto, que terá levado o Presidente da República a promulgar”, diz Mário Nogueira. “É sempre mais simples fazermos uma crítica forte, mas depois fazermos o que o Governo quer. É uma forma de estar com Deus e com o Diabo. Se a posição da Presidência da República fosse no sentido do que é justo, de que o tempo de serviço seja recuperado integralmente, este diploma não poderia ter sido promulgado”, sublinha o dirigente sindical.
Do lado do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop), a dirigente Carla Piedade lembra que as razões que foram invocadas pelo Presidente da República para vetar o diploma num primeiro momento se mantêm e que, por isso, devem ser atendidas pelo Governo. “O que o Stop exige é que realmente haja essa reabertura das negociações já em Setembro”, frisa a sindicalista, considerando haver ainda muito para negociar não só em relação aos professores, mas também a outros profissionais de educação.
Apesar da “porta entreaberta”, o secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE) Pedro Barreiros desconfia da disponibilidade para o Governo vir a negociar a recuperação integral do tempo de serviço. “Cansámo-nos de ouvir quer o ministro da Educação, quer o primeiro-ministro, quer o ministro das Finanças, a dizer de forma repetida que não haverá contabilização de nenhum tempo de serviço para os professores. Isto não joga com aquilo que é o desejo ou a esperança do Presidente da República ao promulgar este diploma”, sublinha Pedro Barreiros.
Se nada mudar, o dirigente sindical prevê um ano lectivo com muita contestação. “Os professores já deram provas de que não vão desistir. Temos um Governo com maioria absoluta. Se pela via negocial não conseguirmos, terá que ser pela via da contestação e da luta”, observa.
“Temos professores a desistir da profissão, o que é problemático. Os mais novos não querem ser professores. O Ministério da Educação e o Governo olham apenas e só para os seus próprios interesses. Do ponto de vista daquilo que é o futuro do sistema público de ensino e da qualidade da educação é realmente muito preocupante. Estamos a dar passos acelerados para diminuir a sua qualidade”.
Os sindicatos mostram-se disponíveis para voltarem a sentar-se à mesa das negociações com o Governo. Mas, até lá, pensam em mais formas de protesto. A Fenprof garante que irá avançar já no início do ano lectivo, tal como o Stop. “Temos de manter a pressão, porque foi essa luta que permitiu algumas conquistas, ainda que muito pequenas e insuficientes”, sublinha Carla Piedade.
Directores escolares receiam novo ano atribulado
Do lado dos directores escolares, Manuel Pereira também não se surpreende com a decisão, reforçando que o diploma promulgado “não vai resolver nenhum dos problemas que os professores têm tido” e que estão na base das reivindicações e protestos que marcaram o ano lectivo passado.
“A única alteração entre a não aprovação anterior e a aprovação agora está no facto de as portas não terem sido completamente fechadas. São alterações dialécticas, são alterações de forma, já que o conteúdo, no essencial, se mantém igual”, nota o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). “Tanto quanto sei, [o diploma] não vem resolver nenhum dos problemas, incluindo o essencial, que é a contagem integral do tempo de serviço. O que está em causa é a impossibilidade de boa parte das pessoas que estão no meio da carreira para a frente não poder atingir o topo da carreira”, frisa o director escolar.
Assim como Manuel Pereira, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos Escolares (Andaep), receia mais um ano lectivo atribulado. “Isto é quase como a pandemia, em que queríamos que acabasse para regressar à normalidade. Nós também queríamos que este clima, este braço-de-ferro intenso entre o Ministério da Educação e os sindicatos, terminasse para voltarmos à normalidade”, diz o dirigente escolar.
Filinto Lima nota o papel de Marcelo Rebelo de Sousa em forçar o Governo a manter a porta das negociações quanto à recuperação do tempo integral de serviços dos professores aberta, mas reconhece que esta “segunda decisão”, referindo-se ao primeiro veto, “é muito poucochinho para as legítimas expectativas dos professores”. “Enquanto o Governo dizia que o assunto estava encerrado, que não havia mais discussão, Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu abrir a porta para que, de facto, a discussão possa continuar”, frisa o director.
Belém dá luz verde a acelerador de progressões
O Presidente da República promulgou também o diploma que cria o acelerador de carreiras dos trabalhadores da função pública.
Trata-se de uma medida excepcional para compensar os funcionários públicos afectados pelo congelamento das progressões nos períodos de 2005 a 2007 e de 2011 a 2017, permitindo-lhes avançar na carreira com seis pontos em vez de dez.
A medida, que tem efeitos uma única vez, começa a aplicar-se já em 2024 e destina-se aos trabalhadores com pelo menos 18 anos de serviço, abrangidos pelo sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) ou por sistemas adaptados e que foram afectados pelos dois congelamentos.
Nas contas do Governo, em 2024, 72 mil trabalhadores serão abrangidos pelo acelerador (de um total de 350 mil que serão abrangidos ao longo do tempo) por reunirem os seis pontos necessários para progredir, com um custo de 36,3 milhões de euros.
Nestes números estão contemplados os trabalhadores da função pública abrangidos pelo diploma que foi negociado com os sindicatos e não inclui os trabalhadores com contrato individual de trabalho a trabalhar nos hospitais e que, segundo o executivo, também serão abrangidos por via dos acordos colectivos.
Este acelerador nada tem que ver com a revisão do SIADAP que está em curso.
Artigo alterado às 13h38: acrescenta as reacções de sindicatos de professores e de dirigentes escolares