Aos 33 anos, já é considerada a maior infanticida da história moderna do Reino Unido. A enfermeira Lucy Letby foi condenada a prisão perpétua pela morte de sete bebés, entre 2015 e 2016, no Hospital Countess of Chester, em Inglaterra. Tal como nos romances policiais ou no cinema, nada na sua história fazia prever tal desfecho, ainda que o juiz James Goss garanta que a assassina não tem quaisquer remorsos. “Passará o resto da vida na prisão”, declarou.
“Sempre quis trabalhar com crianças”, contou a enfermeira ao júri durante o julgamento que decorria desde Outubro em Manchester. Nasceu a 4 de Janeiro de 1990 em Hereford, perto da fronteira com o País de Gales. Trata-se de uma cidade com pouco mais de 60 mil habitantes no interior do país. É a única filha de John e Susan ─ ele um contabilista reformado, ela uma antiga comerciante, de acordo com o The Sun ─ que assistiram ao julgamento até ao momento do veredicto.
Ao contrário de outros assassinos em série, não há nada na infância de Lucy que fizesse antever os crimes que cometeu. Os pais eram descritos como vizinhos de que todos gostavam e eram respeitados na comunidade, não se conhecem quaisquer sinais de violência doméstica ou abusos, conta o The Guardian.
A jovem estudou naquela cidade do 1.º ciclo ao ensino secundário. Foi a primeira pessoa da família a frequentar o ensino superior, na Universidade de Chester, onde estudou Enfermagem durante três anos, já com o futuro trabalho com crianças em vista. Quando terminou o curso, conta o tablóide britânico, os pais puseram um anúncio no jornal da cidade, a felicitar a filha. “Estamos muito orgulhosos de ti depois de todo o trabalho árduo”, escreveram então.
Terminada a licenciatura, Lucy Letby fez estágios de várias especialidades relacionadas com cuidados infantis, a maioria já no Hospital Countess of Chester. Em Setembro de 2011, terminou a especialidade e, pouco meses depois, ficou a trabalhar a tempo inteiro na mesma unidade de saúde. Em 2015, mudou-se definitivamente para os cuidados intensivos neonatais.
Nessa mesma unidade, diz que o seu tempo era passado “predominantemente” a observar os bebés mais doentes, enquanto servia de mentora às enfermeiras mais jovens. A equipa contava com cerca de 30 enfermeiros e sete pediatras que monitorizavam bebés prematuros, alguns que nasciam com apenas 450 gramas.
Fora do trabalho, Lucy tinha uma vida “aborrecida”, descreve a inspectora responsável pela investigação, Nicola Evans: “Uma vida social saudável, um círculo de amigos, estava com os pais, ia de férias. Não há nada de invulgar em tudo isso. Aliás, não há nada que tenhamos encontrado de invulgar.”
Durante algum tempo viveu num dos apartamentos reservados para a equipa do hospital, antes de se mudar para uma casa própria, onde vivia sozinha, em Westbourne Road, Chester, em Abril de 2016. Na cozinha, relata a BBC, tinha um quadro de cortiça onde punha fotografias e cartas, incluindo um desenho feito pelo afilhado, no qual se lia: “A madrinha n.º 1 atribuído a Lucy Letby.” Em cima da cama estavam vários peluches do Winnie the Pooh e, nas gavetas da cómoda, documentos relacionados com os seus dois gatos, Tigger e Smudge.
Entre os colegas também ninguém suspeitava de Lucy Letby e até há quem a descreva como alguém que “não sobressaía”, como “uma enfermeira nem particularmente má, nem particularmente boa”, escreve a Reuters. Contudo, a coordenadora do serviço de Neonatologia, Eirian Powell — uma das primeiras colegas da enfermeira a perceber que a deterioração do estado de saúde dos bebés costumava ocorrer durante os turnos de Letby —, descreveu-a como “excepcional”.
A enfermeira assassina chegou a ser a cara de uma campanha de angariação de fundos do Conselho de Enfermeiros e Parteiros com o propósito de construir uma nova unidade neonatal naquele hospital.
Tudo munda em Junho de 2015
Os estudos citados pela imprensa britânica dão conta que, em cada mil bebés prematuros nascidos no Reino Unido a cada ano, menos de dois morrem. E no Hospital Countess of Chester também era assim até 2015, quando Lucy Letby integrou a equipa. Só em 14 dias, em Junho desse ano, morreram três bebés subitamente e outro quase morreu.
Bastaram 90 minutos depois de Lucy Letby entrar ao serviço para se dar a morte do primeiro bebé, a 8 de Junho de 2015. Mal começou o seu turno, injectou ar no sistema intravenoso do recém-nascido. O menino e a irmã gémea tinham nascido no dia anterior, seis semanas antes da data prevista para o parto. Morreu pouco depois, mesmo após as suas tentativas de reanimação. Na cadeira de rodas, a mãe ainda a recuperar do parto, pedia: “Por favor, não deixem o meu bebé morrer.”
No dia seguinte, quando o pai deixou de vigiar a irmã gémea, quase aconteceu o mesmo. “Oh não, outra vez não”, gritou uma das enfermeiras. Quando reanimaram a menina, a equipa notou várias manchas roxas e brancas na sua pele, semelhantes às que o irmão tinha na noite anterior. Era um padrão que se havia de repetir.
Mais tarde, graças aos registos de telemóvel, verificou-se que Letby tinha pesquisado sobre a mãe dos bebés no Facebook por diversas vezes. O mesmo aconteceu com outros pais dos bebés assassinados e não só ─ a polícia descobriu registos de 2381 pesquisas naquela rede social entre 2015 e 2016.
Um ritual que se repetia para acompanhar o processo de luto, depois do assassinato dos bebés, quase todos mortos por injecção de ar na corrente sanguínea ou no estômago, bem como administração de insulina. Alguns dos pais destes bebés, sobretudo gémeos, lembram-se de ver a enfermeira a lavar e a vestir os bebés já mortos para o funeral. Só alguns anos mais tarde souberam que os filhos não tinham morrido de causas naturais e que a atenciosa enfermeira era, afinal, a assassina.
Quando continuou a aumentar o número de bebés a sofrer de doença súbita, o hospital e a equipa de peritos chamada a intervir descobriram um factor em comum: Lucy Letby. Depois de ter sido suspensa em 2016, foi detida pela primeira vez em Julho de 2018, e novamente em Junho de 2019 e Novembro de 2020, quando foi acusada de assassinar sete bebés e tentar matar outros dez entre Junho de 2015 e Julho de 2016.
Apesar de ter sido condenada agora a prisão perpétua ─ a quarta mulher a ser alvo de tal sentença na história do Reino Unido ─ continua a não ser compreendido o motivo por que Lucy matou os bebés. “Infelizmente, penso que nunca saberemos, a não ser que ela decida contar-nos”, disse o detective superintendente Paul Hughes, que conduziu a investigação.
“Isto foi uma estratégia deliberada, cruel e cínica de infanticídio, envolvendo as crianças mais pequenas e vulneráveis”, afirmou, nesta segunda-feira, o juiz James Goss, que declarou a sentença de prisão perpétua. “Houve profunda maldade a roçar o sadismo nas suas acções. Não tem remorsos. Não há factores atenuantes.”