Miguel Mesquita, o chef que trocou a engenharia industrial pela cozinha
Depois de vencer o programa Guerra dos Pratos, em 2014, Miguel Mesquita dedicou-se de corpo e alma à gastronomia. Agora será uma das estrelas do canal 24 Kitchen.
Antes de ser chef, Miguel Mesquita tinha uma carreira na engenharia industrial. Mas a cozinha sempre fez parte da sua vida, mais que não fosse quando se esmerava a fazer os bolos de aniversário da mãe e da irmã.
Na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto aprendeu as bases na cozinha, mas depois de vencer o programa Guerra dos Pratos, em 2014, apostou verdadeiramente na área.
Rumou até Londres, Inglaterra para estudar na Le Cordon Bleu, uma das escolas de culinária mais conceituadas do mundo.
Ainda em Londres, colaborou com chefs e começou o seu percurso de criação e desenvolvimento de receitas para marcas e revistas, a área em que trabalha actualmente.
Já de regresso a Portugal, Miguel Mesquita abraçou o desafio de ser o chef criativo e executivo da Academia Time Out, a escola de cozinha da chancela no Mercado da Ribeira, no Cais do Sodré, em Lisboa.
Em Setembro, o canal 24 Kitchen estreia um novo programa e Miguel Mesquita será um dos anfitriões, ao lado do chefs Carlos Afonso e Margarita Pugovka. São dez episódios dedicados a cada um dos cozinheiros, com temas em cima da mesa como a criação, a inspiração, a frustração ou a personalidade, entre outros. Um programa que, segundo Miguel nos conta, tem “um formato diferente”.
Descontraído e bem-disposto, o cozinheiro conta-nos a história e o percurso que mudou a sua vida.
Como é que um engenheiro industrial se torna um chef de cozinha?
É realmente um percurso um bocadinho diferente (risos). Mas eu acho que a cozinha sempre existiu na minha vida. Desde pequeno que queria aprender a fazer aquele bolo de laranja ou aquela sobremesa. O tempo que eu passava na cozinha servia para relaxar. Principalmente na escola, na altura dos exames e das frequências. A minha forma de conseguir escapar era meter-me na cozinha.
E que tipo de coisas fazia?
A minha mãe tinha O Livro de Pantagruel e eu andava sempre por lá a pesquisar e a tentar fazer coisas diferentes. E, portanto, o “bichinho” já existia. Nessa altura nunca pensei em seguir cozinha. Nem nunca foi o meu objectivo. Mas sempre tive gosto. Por exemplo, era eu que fazia os bolos nos aniversários da minha irmã ou da minha mãe.
Ainda fez algumas formações de cozinha ainda enquanto engenheiro.
Houve uma fase da minha vida em que andava muito concentrado no meu trabalho e nas minhas coisas. Regularmente fazia jantares com os meus amigos e com a minha família… E depois tive conhecimento que na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, a cidade onde eu vivia, se faziam uns cursos pós-laborais para pessoas que tinham outros trabalhos. Também foi quando houve aquele boom dos programas de concursos de culinária. Participei no Masterchef Portugal, que foi uma coisa muito pequenina, mas o gosto ficou lá.
E depois participou na Guerra dos Pratos. Como foi a experiência?
No fundo era quase como se fosse um torneio de futebol, em que uma equipa compete contra a outra, e depois se ganhar passa à fase seguinte. Na realidade eram pessoas que estavam a cozinhar contra outras, e iam avançando até chegar à final. Na final estava uma pessoa por região: o Norte, o Sul, o Centro e as ilhas. Eu representei a região do Norte e ganhei o concurso. E depois as pessoas comentavam: tens mesmo jeito, porque não pensas em fazer disto a tua vida? E eu pensei: o que é que eu faço? Volto outra vez ao laboratório [onde estava a trabalhar] ou deixo tudo?
Teve o apoio da família nessa decisão?
Tive o apoio da minha família e de toda a gente. Deixei o meu trabalho, e fui para Londres tirar o curso [de artes culinárias e formação de chefs] na Le Cordon Bleu, que é uma escola muito exigente, mas de que eu gostei imenso.
Quais são as bases e influências da sua cozinha?
A minha cozinha é muito influenciada pela minha família. No início era sempre muito os pratos da minha mãe.
Existe algum cozinheiro na família?
É engraçado. A minha mãe gosta de cozinhar, mas dizia que eu saía a uma tia-avó que tinha um restaurante e pensão na Lixa, no concelho de Felgueiras. Infelizmente, nunca a cheguei a conhecer. Ainda há pouco tempo consegui descobrir que o biscoito da Brígida, que é muito conhecido lá, é da minha tia-avó. E nunca ninguém na família conseguiu ficar com a receita (risos). Recentemente conseguimos reaver a receita e eu estou a tentar chegar ao resultado dos biscoitos.
Tem alguma referência especial?
A cozinha é uma coisa muito engraçada. Não aprendemos apenas as técnicas [no curso], mas também um bocadinho sobre a básica da cozinha clássica; quem foram os nomes e as pessoas que, na realidade, transformaram esse conceito. E fui conhecendo outros chefs que na altura não conhecia. Há um chef que eu gosto imenso, o Yotam Ottolenghi, que também estudou na Le Cordon Bleu. Tem vários restaurantes e vários livros publicados e é uma referência para mim. Ele é israelita e a cozinha dele fascina-me imenso.
Como foi a experiência de viver lá fora?
Eu vivi em Londres e em Paris, mas em conceitos completamente diferentes. Em Londres, para tirar o curso, e depois trabalhar e ganhar experiência em vários restaurantes. Em Paris, durante o curso de engenharia, onde fiz Erasmus. Nessa altura, apesar de estar focado nos estudos, aproveitei para conhecer melhor os produtos e os ingredientes da famosa cozinha francesa.
E lá fora? Como é vista a cozinha portuguesa?
Na altura em que eu vivi lá fora, principalmente em Paris, as pessoas conheciam muito pouco do que era a cozinha portuguesa. Por isso acho que é muito importante o trabalho que alguns chefs estão a fazer como abrir restaurantes de cozinha portuguesa noutros países. Para sairmos daquela coisa dos pastéis de nata e do frango piripiri (risos). A nossa cozinha é absolutamente fantástica. Nós temos peixes fantásticos e cozinhamos de uma forma que mais ninguém o faz.
Começou verdadeiramente o seu percurso profissional em Londres. O que fez por lá?
Depois de tirar o curso de cozinha e depois trabalhar em vários restaurantes, comecei a trabalhar muito com chefs privados em Inglaterra. E comecei a desenvolver receitas. Eu sou fascinado por tudo o que é a criação [das receitas] para as pessoas fazerem em casa. Há também aquela problemática, que é criar algo que seja fácil de fazer e que pareça bem nas fotografias. Confesso que tenho um percurso um bocadinho diferente do que seria um percurso normal de um chef de cozinha que tira o curso, vai trabalhar para um restaurante e depois vai abrir o seu próprio espaço.
Mas há paixão naquilo que faz.
Eu gosto muito daquilo que faço. Eu faço desenvolvimento e criação de receitas para marcas e para produtos específicos, para revistas de cozinha. Portanto, eu tenho sempre que fazer a ligação entre a pessoa que está em casa e aquilo que eu estou a desenvolver. Enquanto os chefs dos restaurantes fazem um prato para impressionar, que as pessoas adorem, com sabores incríveis, eu tenho que fazer um prato que seja possível fazer em casa. Esta parte do desenvolvimento de receitas e dos workshops é uma coisa que me dá muito prazer. Eu podia não ter este trabalho, e ter que trabalhar num restaurante com outra pessoa qualquer. E estaria feliz na mesma.
E agora é o chef criativo e executivo da Academia Time Out.
Foi um convite. Na altura, ainda vivia em Inglaterra e estava a pensar voltar para o Porto. Foi uma reviravolta completa! Quando voltei de Londres fiquei uns tempos no Porto, e depois mudei-me para Lisboa, onde vivo agora. Actualmente sou o chef criativo e executivo da Academia, onde faço a criação de todos os workshops e de tudo o que acontece aqui.
Ainda continua a trabalhar como food stylist?
Agora não tenho tanto tempo para isso (risos). Mas tenho de pensar logo na parte visual.
Porque o aspecto do produto final determina se o provamos ou não.
Sim. Ao criar a receita, tem que ser algo que pareça incrível, que as pessoas olhem para aquela fotografia e digam ‘eu quero fazer isto’. E a parte do food styling veio por aí, do criar a receita e garantir que o prato tem muito bom aspecto.
Relativamente ao novo programa que vai estrear no canal 24 Kitchen, o que podemos esperar?
Eu acho que as pessoas vão gostar porque tem, acima de tudo, um formato diferente. Não é um programa que eu vou chegar lá e vou cozinhar. Vou fazer uma receita, obviamente, mas vai ter uma história.
As pessoas vão conhecer melhor o chef Miguel Mesquita?
Exactamente. A ideia é ter um bloco de programas em que o Miguel vai mostrar aquilo que gosta de fazer, as suas receitas e apresentar um bocadinho de quem realmente é. Todos os episódios terão um tema como a frustração, a criatividade, ou a inspiração que vão ser a base para desenvolver as receitas. Vai haver também um momento de entrevista para explicar às pessoas o porquê de eu realmente fazer aquelas receitas e a história por trás.