Descemos a Rua João Tavira, no centro do Funchal, e Ana Paula Abreu, a nossa guia da Madeira Exquisite Food on Foot Tours, chama-nos a atenção para algo em que provavelmente não repararíamos: aqui a calçada portuguesa desenha figuras madeirenses com trajes típicos e os diferentes barretes, e formas de transporte antigas, dos carros de cestas aos bois puxando uma barrica de vinho Madeira.
Este é um passeio pensado em torno da comida, mas as histórias sobre a ilha vão surgindo a todo o momento – não resistimos, por exemplo, a entrar na catedral do século XVI para admirar o extraordinário tecto de estilo mudéjar, recentemente restaurado.
A primeira paragem gastronómica é na Loja do Chá, que pertence à Madeira Tea House e em cuja esplanada, na Praça Cristóvão Colombo, em frente ao Museu do Açúcar, nos sentamos a escolher entre a variedade de chás que, utilizando chá dos Açores (a empresa já tem uma plantação na Madeira, no Santo da Serra, mas a produção é ainda muito pequena), o mistura com produtos madeirenses, seja a banana desidratada, o maracujá ou a manga, na marca 1419, data da chegada dos portugueses à ilha.
Passamos depois pela Fábrica de Santo António, uma das Lojas com História do Funchal, que vai já na quinta geração a vender broas, rebuçados e compotas, além do bolo da Madeira que vem em bonitas caixas de alumínio.
E seguimos em direcção ao mercado, passando por lojas que, se tivéssemos mais tempo, mereceriam também uma visita, como a Pérola dos Cafés, com o bacalhau e o gaiado seco na montra, ou a Bordal, fábrica que tem ajudado a preservar o bordado da Madeira – e temos a sorte de apanhar sentada à porta Maria José, uma bordadeira que nos mostra como se faz o delicadíssimo trabalho, lamentando que este esteja em risco. “Antigamente tudo bordava, mas hoje já ninguém quer.”
No Mercado dos Lavradores apetece parar em cada banca, de frutas, de legumes, de flores, de especiarias. Mas temos lugar marcado no Sr. Pedro, que, para além da sua banca, tem um espaço onde podemos sentar-nos e provar algumas especialidades da Madeira. Na tour da Food on Foot, este é o momento para uma pequena aula sobre a enorme diversidade de frutas que existem na ilha – provamos o maracujá-banana, o maracujá-limão, o maracujá-laranja, que é o mais doce, a pitaia rosa e a branca (a primeira, mais vistosa, a segunda mais saborosa), o tabaibo que é um dos nomes do fruto da figueira-da-Índia, o melão do Porto Santo, a pêra-meloa, a banana-maçã.
Depois da fruta, passamos ao chocolate no espaço da UauCacau, marca que conquistou grande sucesso ao combinar o chocolate belga com sabores muito variados, incluindo os típicos da Madeira, como o tamarilho, ou tomate-inglês, a pitanga, a manga, a poncha ou o vinho Madeira. É, aliás, com vinho Madeira que acompanhamos o chocolate e, nestas tours, quase exclusivamente compradas por turistas estrangeiros (apesar do empenho da empresa em conquistar mais portugueses), esta é a ocasião para ficar a conhecer melhor a história deste vinho e o seu carácter único.
Depois de uma passagem pelo restaurante Já Fui Jaquet (o antigo era mítico, tanto pelo famoso mau feitio do proprietário como pela qualidade dos cozinhados feitos pela sua mulher, mas hoje o espaço tem nova gerência), o passeio gastronómico termina com a poncha no bar Number Two, nascido em Câmara de Lobos pela mão do senhor Agostinho, pai dos actuais donos, e imortalizado numa pintura na parede, preparando… ponchas.
As opções passam pela poncha à pescador (com limão esmagado com açúcar, aguardente de cana e, neste caso, sumo de lima, os produtos que os pescadores levariam com eles nos barcos para evitar o escorbuto, ou pelo menos assim reza a história) ou a regional (com mel de cana e laranja, além da poderosa aguardente), ou ainda o Nikita, bebida que junta vinho branco, cerveja e gelado de ananás e que terá sido inventada em Câmara de Lobos, em meados dos anos de 1980 (em que outra altura seria possível baptizar uma bebida com o título da canção de Elton John?).