Adrian Bridge, CEO da Fladgate Partnership: “Não posso dizer que nunca faremos DOC Douro”
O negócio do ano nos vinhos: Flagate vai, por aquisição da Ideal Drinks, produzir vinhos tranquilos nas regiões dos Verdes, Bairrada e Dão. E absorve a distribuidora Direct Wine.
Centenária, dona das marcas Fonseca, Taylor's, Croft e Krohm e eternamente focada nos vinhos do Porto à laia de uma profissão de fé, The Fladgate Partnership (TFP), que nos últimos anos investiu muitos milhões de euros na área do enoturismo, anunciou hoje que vai entrar no negócio dos vinhos tranquilos com marcas as Colinas, Principal, Royal Palmeira, Quinta da Pedra, Bella e outras. Por enquanto, só nos Verdes, na Bairrada e no Dão. Questionado pelo Terroir se isso significa uma possível entrada nos DOC Douro, Adrian Bridge, CEO da TFP, responde como se fosse um político profissional: “Não posso dizer que nunca faremos DOC Douro”.
Depois de centenas de anos dedicados ao vinho do Porto e de tantas juras de fidelidade só ao vinho do Porto, por que razão The Fladgate Partnership (TFP) entra no universo dos vinhos tranquilos e, de rajada, em três regiões diferentes?
Porque os nossos clientes a nível mundial querem vinhos portugueses e porque os turistas que recebemos nas nossas unidades querem conhecer os vinhos tranquilos de diferentes regiões portuguesas. Isso é uma evidência, pelo que chegou a altura de darmos uma resposta a essa realidade. Por outro lado, este negócio foi uma oportunidade que nos surgiu.
Foi o Carlos Dias, ex-proprietário da Ideal Drinks, que vos propôs o negócio?
Sim, o Carlos Dias, por questões de saúde e, consequentemente, da resolução dos negócios familiares, optou por alienar o seu projecto.
Deste modo, entram de rajada em três regiões vitícolas, o que aumenta o portfólio da TFP.
Sim, só nos Verdes entramos no Alvarinho com as áreas da Quinta da Pedra e, depois, no Loureiro com as vinhas do Paço de Palmeira. No interior teremos vinhos do Dão feitos na Quinta de Bella e, mais no litoral, vinhos da Bairrada com a Quinta Colinas de São Lourenço, Quinta da Curia e Quinta da Malandrona. Já temos, por via da Heritage Wines, a distribuição de grandes marcas do Alentejo e do Douro (Fundação Eugénio de Almeida e Quinta do Crasto, por exemplo). A este nível somos uma empresa focada desde sempre para o mercado de exportação (93 por cento do negócio do vinho do Porto faz-se nos mercados externos), pelo que entendemos que as diferentes marcas da Ideal Drinks devem estar destinadas aos mercados externos.
Por regra, as grandes empresas nacionais vão para as regiões mais sonantes. No vosso caso poderia ser o Alentejo, mas optaram por duas regiões (Bairrada e Dão) que, responsáveis por vinhos identidade vincada, não são lá muito populares no exterior.
Eu acho que já há muito gente a inovar no Alentejo e no Douro, mas menos na Bairrada ou no Dão, mas o que para nós é mais importante é o portfólio de vinhos que encontramos na Ideal Drinks criados por Pascal Chatonnet [enólogo francês]. Vinhos que, do nosso ponto de vista, têm classe mundial. E, para nós, isso até é mais importante do que a região em si. Repare que quando apresentamos vinhos com a chancela The Fladgate Partnership para os mercados internacionais a nossa expectativa é ter pontuações mínimas a partir de 94 ou 95 pontos. Vinhos de Portugal de alta qualidade, mas não necessariamente desta ou daquela região. Para nós, mais importante do que a região é a qualidade do vinho.
O vosso foco é exclusivamente os mercados externos?
Claramente. Acreditamos que, apesar da turbulência dos mercados, se um cliente nosso perceber que estamos a recomendar um vinho do Dão, da Bairrada ou dos Verdes é porque estamos a oferecer algo que é diferente, mas de qualidade. De resto, isso vai fazer com que muitos consumidores estrangeiros olhem com mais atenção para outras regiões que não só o Alentejo e Douro.
Para uma empresa só dedicada ao vinho do Porto e ao turismo, quando comunicou ao mercado essa entrada na produção de vinhos de outras regiões vitícolas, que reacção teve?
Bom, será só a partir da próxima semana que comunicaremos esta decisão aos mercados, mas acho que os clientes que conhecem o nosso trabalho ao longo de muitas décadas vão acreditar na nossa estratégia. E, repare, se esses clientes acreditam na Fladgate e nesta nova abordagem, isso tem um impacto tremendo na imagem dos vinhos de Portugal nos mercados externos, quer pelos nossos vinhos quer pelos vinhos de outras empresas portuguesas.
Já agora, significa tudo isso que poderemos ver, daqui a algum tempo, vinhos DOC Douro no universo da TFP?
Não posso dizer que tal nunca acontecerá porque se nós encontrarmos quintas no Douro que não comprometam a nossa filosofia de fazer os melhores vinhos do Porto – e esse, atenção, é sempre o nosso foco -, isso pode ser possível, mas não é, neste momento, o nosso objectivo. A verdade é que a procura por vinhos do Porto de categorias especiais continua a crescer, bem como a procura de Porto ready to drink (Porto brancos e Porto Pink consumidos água tónica). Nos próximos anos vamos vender mais de dois milhões de latas de Croft Pink&Tonic, o que significa que o negócio do vinho do Porto continua em crescimento.
Mas, só para esclarecer, acredita ser possível fazer-se vinhos tranquilos no Douro de classe mundial?
Sim, acredito, mas, neste momento, com os nossos 500 hectares no Douro mais as vinhas dos nossos fornecedores, todas as uvas estão dedicadas a vinho do Porto para as categorias especiais. O Douro tem, de facto, muito potencial para a produção de uvas de grande qualidade, mas o posicionamento da Fladgate a nível internacional exige uvas de muita qualidade. Eu não posso dizer que nunca faremos DOC Douro, mas, hoje, o nosso foco está no Dão, na Bairrada e nos Verdes.
A Fladgate poderá expandir-se para outras regiões?
Não digo que não, mas devo enfatizar que os perfis dos vinhos da Bairrada e do Dão (castas nacionais e internacionais) e os perfis dos vinhos Verdes (castas nacionais) vão dar muito trabalho nos próximos tempos.
Estamos em Portugal, pelo que já imagino a resposta, mas, ainda assim, quanto é que custou a compra Ideal Drinks?
Ah... isso... agora não me lembro bem. Repare, este é um projecto em que a parte financeira conta mas não é o mais importante. Aqui o que conta, realmente, é a paixão e a dedicação. Lançar um projecto destes a nível internacional não é fácil, mas estamos familiarizados com o conceito de sangue, suor e lágrimas.
Que área de vinha acrescentam ao grupo?
Cerca de 200 hectares no total. E, no caso da Bairrada, há um stock de vinhos antigos bastante interessante.
Vão manter os trabalhadores da Ideal Drinks?
Sim, falamos de 34 pessoas da Ideal Drinks.
O enólogo francês Pascal Chatonnet vai continuar no projecto?
Claro, vai continuar como consultor atendendo ao nível de expertise que tem.
A equipa de viticultura e enologia do Douro vai ter algum papel nos projectos das novas regiões da TFP?
A equipa de vinho Porto vai continuar a fazer um excelente trabalho no Douro, ainda por cima quando estamos confrontados com as questões das alterações climáticas. A equipa é fundamental para continuarmos a ter uvas de muita qualidade para fazermos Portos de grande nível.
Quanto factura a TFP?
Este ano serão 160 milhões de euros.
Qual é o volume de vendas da Ideal Drinks?
As suas vendas têm sido residuais, em parte porque a estratégia do antigo dono na Ideal Drinks se concentrava mais na produção e nalgumas vendas a nível interno. Agora, as actuais marcas das três regiões vão ter uma nova vida.