Sem vergonha e sem verdade

Para André Ventura, a verdade pode não valer nada, mas para um jornal ela é a essência da sua missão, por isso temos de repudiar a utilização do nosso grafismo para a difusão de mentiras.

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“Acredite na verdade. Abandonar os factos é abandonar a liberdade. Se nada é verdade, ninguém pode criticar o poder, porque não há base para fazê-lo. Se nada é verdade, então tudo é espectáculo. A maior carteira paga pelas luzes mais ofuscantes.” Esta é a décima lição de um conjunto de 20 que o historiador Timothy Snyder reuniu em Sobre a Tirania Vinte Lições do Século XX.

A lição tem a obrigação de estar bem aprendida, tão visível e notória é a forma como, especialmente nos últimos anos, a mentira tem servido às forças de pendor autoritário para minar as sociedades abertas. Criam desconfiança, fomentam a dúvida, alimentam a polarização, ao queimar as possibilidades de diálogo entre pessoas com diferentes opiniões que, para chegarem a algum compromisso, precisam, no mínimo, de partir de alguns factos aceites por ambas as partes. Quando nada é verdade, isso é impossível.

Desde sempre, a propaganda utilizou a mentira como ferramenta, só que as fontes de onde ela emanava eram, no passado, bem mais identificáveis e, como tal, era bem mais fácil desmontar os seus enganos. A Internet e as redes sociais vieram baralhar isso, dando via verde à mentira. Vimos isso com Trump, com o "Brexit", com a pandemia, com as centrais de desinformação russas e iremos continuar a ver. Ainda agora, no meio de uma tragédia como a dos incêndios no Havai, as redes ficaram recheadas de teorias da conspiração, que diziam que o incêndio tinha sido provocado por “lasers do espaço”, uma forma de negar as consequências das alterações climáticas.

Esta é a nossa história recente, mas, mesmo assim, custa a perceber a falta de vergonha que é preciso para, de uma forma tão clara, o líder de uma força política que é a terceira com maior representação no Parlamento embarcar em claras estratégias de desinformação como as que são descritas na nossa edição de hoje.

Para André Ventura, a verdade pode não valer nada, mas para um jornal ela é a essência da sua missão, por isso não podemos deixar de repudiar a utilização do nosso grafismo para a difusão de mentiras. Há quem ache que o PÚBLICO deveria recorrer às autoridades para desmontar o logro que está à frente dos olhos de todos. Para já, nós achamos que é com o nosso jornalismo, com o nosso empenho em programas de literacia mediática, com as nossas rubricas de combate à desinformação, com a força que nos dá a confiança dos nossos leitores que iremos vencer esta batalha pela verdade.

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