Corte da SCML no financiamento ao desporto gera “forte preocupação” no sector
Verdadeira dimensão da redução nos apoios preocupa responsáveis federativos. Presidente do COP mostra-se pede serenidade até ser conhecidoa a extensão da medida.
Uma profunda preocupação é o denominador comum entre algumas das reacções que começam a surgir depois de a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ter anunciado um corte no financiamento ao desporto. O presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) espera por mais dados para poder avaliar a questão e mostra-se disponível para uma reunião com os responsáveis da instituição.
"Não tenho exacta noção da dimensão do corte que estamos a falar, mas, salvo melhor opinião, estamos a falar, tão só e apenas, dos patrocínios que o departamento de jogos da Santa Casa tem tido junto de algumas federações desportivas, numa parte significativa federações com participação olímpica", começou por dizer José Manuel Constantino, em declarações à agência Lusa.
Em causa, de acordo com algumas das cartas enviadas às federações, está a revisão do "plano de patrocínios delineado para 2023", com a Santa Casa a advertir, ainda, que o patrocínio, em nome dos Jogos Santa Casa, na sua maioria, além dos contratos em vigor não está assegurado.
"Por um lado, compreendo que a nova direcção da SCML queira proceder a uma reavaliação dos critérios de apoio às diferentes entidades atendendo à situação de profunda crise que foi detectada nas auditorias já realizadas e pela intervenção do Ministério Público relativamente a investimentos feitos no Brasil. Acho perfeitamente natural e compreensível que a nova administração pretenda olhar para a realidade com que está confrontada e queira reavaliá-la", afirmou Constantino.
No entanto, o presidente do COP advertiu que não terá uma atitude tão compreensiva se os cortes forem feitos apenas no sector desportivo. "Já não terei uma opinião tão positiva, se esse olhar for circunscrito a meia dúzia de organizações desportivas, junto das quais o departamento de comunicação e marketing da Santa Casa estabelece protocolos de cooperação. Porque, se há um problema transversal a toda a despesa, não é um montante irrisório face ao que proporciona aos Jogos Santa Casa que põe em casa o seu equilíbrio financeiro", vincou.
Apesar desta ameaça, Constantino assumiu disponibilidade para uma eventual reunião com a nova provedora da SCML. "Vamos aguardar com alguma serenidade o desenvolvimento deste processo, na expectativa, naturalmente, de termos uma opinião mais sustentada, mais fundamentada do que aquilo que estamos neste momento confrontados e cujas consequências se ignoram", concluiu.
Verbas decisivas para provas internacionais
A apreensão é naturalmente extensível a vários dirigentes federativos, como é o caso de Vítor Félix, presidente da Federação Portuguesa de Canoagem (FPC). "Vemos esta medida com muita preocupação, uma vez que se trata do único patrocinador que investia na nossa modalidade, com um retorno. Muita preocupação também, porque a situação financeira da federação não é a mais saudável e este valor combatia o subfinanciamento por parte da administração pública desportiva", lamentou.
Em declarações à Lusa, o dirigente falou de uma verba anual "entre os 60 e 70 mil euros", que, entre outras coisas, "permitia aumentar e elevar" a participação da canoagem em competições internacionais nos mais diversos escalões, dar "maior qualidade" aos campeonatos nacionais e provas internacionais que a federação organiza, além de "mexer com a preparação olímpica", para a qual o apoio tem sido vital.
De resto, acrescenta o dirigente, este "não é o timing correcto" para a SCML tomar e comunicar esta decisão, tendo em conta que a maioria das federações estão em fase decisiva de apuramento para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, que vão decorrer em Paris, no próximo ano.
Do lado da Federação Portuguesa de Judo (FPJ), o presidente, Sérgio Pina, tenta ainda compreender o verdadeiro alcance da medida. "Não dá para perceber bem se é só corte ou se é uma quebra total do apoio financeiro que normalmente dá à FPJ. Estamos em vésperas de ano olímpico e é uma verba que é sempre considerável", assinalou.
O dirigente especificou que a FPJ recebe 30.000 euros anuais da Santa Casa e que não deixa de ser um "impacto considerável", tendo em conta a sua utilização em períodos transitórios, para "apoio a provas e deslocações a estágios".
"Temos a elite e os olímpicos, mas não podemos esquecer que os Jogos Olímpicos de 2028 estão aí à porta e temos de preparar, dar traquejo a todos esses atletas que os treinadores nacionais entendem que têm futuros promissores", referiu, manifestando confiança no secretário de Estado do Desporto, João Paulo Correia, e na sua capacidade para ajudar a minimizar "os danos que esta redução poderá causar".
"Uma desvalorização para o desporto"
O presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), Jorge Vieira, lamenta o corte no financiamento decidido pela SCML, alertando para o "subfinanciamento crónico do desporto".
"Mais do que o quantitativo, o valor simbólico é que é preocupante para muitas federações envolvidas neste hipotético corte. Representa uma desvalorização para o desporto", observou Jorge Vieira, considerando que a decisão é mais gravosa por ter sido tomada em ano pré-olímpico.
O presidente da FPA ainda espera que esta seja revertida, mas lamenta que, "mais uma vez, perante as dificuldades de gestão de dinheiros da Santa Casa", seja o sector do desporto, "pelo seu valor reduzido, a arcar com estes cortes".
"Mas é bom, e julgo que isso já está a acontecer, que o Governo tome uma posição neste campo e que dialogue com a Santa Casa e as federações sobre o que é por muitos de nós considerado um subfinanciamento crónico do desporto", assinalou.
O líder federativo recusou revelar o valor do corte à FPA, que foi justificado com "a conjuntura económico-social", a conferir "novas exigências sociais e financeiras à SCML no que diz respeito ao apoio das populações mais vulneráveis".
"O que posso dizer é que os valores não são significativos. São valores importantes, mas sem grande significado percentual, muito menos no caso da federação de atletismo, dada a sua natureza multidesportiva. O que me preocupa é o valor simbólico deste corte", reforçou Jorge Vieira.
Já o líder da Federação Portuguesa de Voleibol (FPV), Vicente Araújo, disse que a anunciada revisão do plano de patrocínios da SCML "já está a afectar". Em causa está o contrato de apoio financeiro por parte da SCML à selecção feminina e à Taça de Portugal masculina, que terminou recentemente, sem ser renovado, e que obriga a FPV a "encontrar outras formas" de financiamento.
"Não é fácil encontrar patrocínios para o desporto. Temos que trabalhar muito para encontrar forma de conseguir levar as coisas para a frente", disse Vicente Araújo.
O presidente da FPV apontou ainda que o corte nos patrocínios da SCML provocará dificuldades às federações, que já vivem "momentos complicados", com as verbas do Governo a serem praticamente iguais às do ano passado.
Por seu lado, o presidente da Federação de Andebol de Portugal (FAP), Miguel Laranjeiro, adiantou que alguns projectos serão postos em causa. "Foi com surpresa que recebemos a comunicação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ao colocar em causa o apoio de patrocínio a partir do próximo ano", referiu o dirigente, destacando que "qualquer corte nos apoios tem consequências muito negativas".
"O apoio dos últimos anos à FAP tem sido essencial e permitiu desenvolver projectos consistentes nas selecções nacionais e no andebol em cadeira de rodas e que ficarão em causa com esta decisão", considerou o dirigente.
Miguel Laranjeiro adianta que num país como Portugal, "com grandes lacunas na actividade física e desportiva dos cidadãos, qualquer corte nos apoios e patrocínios tem consequências muito negativas".
"Fez bem o secretário de Estado do Desporto, João Paulo Correia, em pedir uma reunião de urgência com a Provedora da Santa Casa. Esperamos que com a sua experiência e conhecimento, seja possível valer, junto da SCML, os argumentos de uma actividade que é fundamental para o país", concluiu.