Uso de psicadélicos na depressão grave deve ser “exclusivamente” prescrito por médicos especialistas
Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos diz que o “potencial terapêutico” da cetamina no tratamento da depressão grave “ainda não reúne robustez suficiente na eficácia e segurança” para aprovação.
O Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos salienta que o “potencial terapêutico” da cetamina no tratamento de depressão grave “ainda não reúne robustez suficiente na eficácia e segurança” para ser aprovado pelas agências do medicamento. Numa resolução recentemente publicada, alertam que o uso desta substância se “deve fazer exclusivamente por prescrição de médico com a habilitação e a especialização necessárias para o tratamento de depressão grave”.
Em Fevereiro, o PÚBLICO noticiou que a cetamina está a ser utilizada em pelo menos duas unidades hospitalares do SNS – no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, e no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (Hospital Júlio de Matos) – para tratar a depressão, tendo havido um processo de aprovação interno, em que várias comissões tiveram de dar luz verde ao uso off-label (ou seja, usado fora das indicações para que foi aprovado) e ao protocolo a utilizar em cada caso. Na altura, o Hospital de São João, no Porto, indicou que estavam na fase de aprovação interna.
Na resolução sobre o uso de psicadélicos, publicada no site da Ordem dos Médicos, o Colégio de Psiquiatria afirma que “a evidência sobre o potencial terapêutico de um psicadélico atípico – a cetamina (ou quetamina) – na depressão grave resistente aos tratamentos disponíveis e aprovados tem vindo a ser desenvolvida, mas ainda não reúne robustez suficiente na eficácia e segurança para aprovação formal pelas agências internacionais e nacionais do medicamento”.
A direcção daquele organismo explica que entendeu fazer estes esclarecimentos “atendendo à discussão pública em torno do uso de substâncias psicadélicas no tratamento de doenças mentais”. Começa por dizer que esta substância – também associada a consumos ilícitos – está aprovada pelas autoridades como anestésico e que o seu uso noutras indicações é considerado off-label.
"Não deve ser promovido publicamente"
“O uso de cetamina deve fazer-se exclusivamente por prescrição de médico(a) com a habilitação e a especialização necessárias para o tratamento de depressão grave e resistente aos tratamentos convencionais, sendo mandatória a obtenção de um consentimento informado escrito, voluntário, livre e esclarecido que explicite os riscos e benefícios potenciais da sua utilização”, alerta.
O colégio da especialidade refere ainda que, por se tratar de um tratamento off-label para a depressão grave e resistente, “o uso da cetamina não deve ser promovido publicamente e não deve ser publicitado do ponto de vista comercial por médicos e/ou por clínicas”. No início do mês, o Expresso noticiou que a Entidade Reguladora da Saúde estava a avaliar uma clínica privada, aberta em Julho, devido à promoção publicitária dos seus tratamentos com cetamina.
As ressalvas do Colégio de Psiquiatria não ficam por aqui. As psicoterapias associadas ao uso deste tipo de substância “carecem de modelo teórico e conceptual, que tenha passado o escrutínio da evidência científica, e que permita a sua prescrição”. E deve haver um profissional de saúde “idóneo” e “experiente”, com formação em psicoterapia, “que possa dar suporte antes e após as intervenções farmacológicas com substâncias capazes de alterar o estado de consciência”.
A comunicação pública acerca das psicoterapias assistidas por psicadélicos “deve clarificar de forma inequívoca, explícita e cabal a inexistência de estudos robustos que garantam a eficácia e segurança necessárias para a aprovação da indicação clínica formal, sendo também necessário promover um profundo debate num contexto interdisciplinar”, defende o colégio, que salienta igualmente que o uso de outras substâncias psicadélicas, nomeadamente psilocibina e MDMA, se encontra “vetado pelos normativos legais em vigor” no país e, por isso, a sua utilização só é considerada em ensaios clínicos experimentais aprovados pelas entidades reguladoras.
O colégio termina a resolução afirmando que "o uso responsável dos medicamentos e tratamentos em psiquiatria deve garantir a segurança e a sua farmacovigilância, na dosagem e indicação adequadas a cada doente, com o menor custo possível e a maior acessibilidade em termos de sistema de saúde".