Polícia acredita que Bolsonaro tentou vender jóias recebidas de governos estrangeiros
Autoridades pediram acesso aos dados bancários e fiscais do ex-Presidente para averiguar qual foi o seu papel no esquema de venda ilegal de bens de luxo que deviam fazer parte do património público.
A Polícia Federal (PF) brasileira pediu a quebra do regime de sigilo bancário e fiscal do ex-Presidente Jair Bolsonaro, no âmbito das investigações ao alegado esquema de venda ilegal de presentes recebidos de governos estrangeiros durante o seu mandato como chefe de Estado.
O pedido feito pelas autoridades policiais, que terá ainda de ser autorizado por um juiz, foi realizado depois de uma operação de busca e apreensão, na sexta-feira, que visou vários aliados de Bolsonaro que a polícia acredita poderem estar envolvidos no esquema.
Há vários meses que a PF, com a supervisão do juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, investiga os contornos de uma alegada estrutura montada por assessores muito próximos de Bolsonaro que teria como finalidade a venda de presentes de valor elevado oferecidos por governantes estrangeiros durante visitas de Estado. Segundo a legislação brasileira, os presentes oferecidos a representantes governamentais durante deslocações oficiais pertencem ao património público do Estado, e não aos seus receptores.
Nesta fase das investigações, os crimes em causa são peculato e lavagem de dinheiro, de acordo com a PF.
O caso foi desencadeado quando um militar assessor de um dos ministros do Governo de Bolsonaro tentou entrar no Brasil com artigos de luxo, provenientes de uma viagem ao Médio Oriente, que não tinham sido declarados à Receita Federal, a autoridade tributária brasileira. O inquérito policial foi baptizado como Lucas 12:2, uma referência a um versículo da Bíblia: "Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido.”
A partir daí, descobriram-se outras tentativas para retirar do Brasil, através de aviões da Força Aérea, conjuntos de bens de luxo, como jóias ou relógios, no valor de vários milhares de euros. A PF acredita que “foi criada uma estrutura para desviar os bens de alto valor presentados por autoridades estrangeiras ao ex-Presidente da República, para serem posteriormente evadidos do Brasil (…) e vendidos nos Estados Unidos”.
Três dos artigos que terão sido desviados do património público estão avaliados em 900 mil reais (167 mil euros), segundo a PF: um conjunto de jóias que foi posto à venda numa leiloeira nova-iorquina e dois relógios de luxo.
Na operação policial desta sexta-feira, foram visadas quatro pessoas muito próximas de Bolsonaro: o ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, actualmente preso e envolvido noutros casos judiciais; o pai, general Mauro Lorena Cid; outro ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente Osmar Crivelatti; e o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef.
Bolsonaro não foi alvo das operações policiais desta sexta-feira, mas a PF pediu acesso às suas informações bancárias e fiscais e é provável que o ex-Presidente possa ser chamado para interrogatório, assim como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. A tese da PF é a de que o dinheiro proveniente das vendas dos artigos de luxo reverteria para Bolsonaro, o que faria dele o chefe de um esquema criminoso.
O ponto mais forte que sugere a participação directa de Bolsonaro é a utilização de uma aeronave da Força Aérea no final do ano passado, enquanto ainda era chefe de Estado, num voo que poderá ter sido utilizado para tirar os artigos de luxo do país. No relatório policial, é citada uma mensagem interceptada em que Mauro Cid faz referência a uma quantia de 25 mil reais (quase cinco mil euros) que estaria com o seu pai, mas que pertenceriam a Bolsonaro.
Os advogados de defesa do ex-Presidente emitiram um comunicado ao fim do dia de sexta-feira em que negam qualquer envolvimento de Bolsonaro em esquemas de enriquecimento ilícito e mostram disponibilidade para colaborar com as investigações.
“A defesa do Presidente Jair Bolsonaro voluntariamente e sem que houvesse sido instada, peticionou junto ao TCU [Tribunal de Contas da União] — ainda em meados de Março —, requerendo o depósito dos itens naquela Corte, até final decisão sobre o seu tratamento, o que de facto foi feito”, afirmaram os advogados.
Em Brasília, os deputados federais começaram a mobilizar esforços para abrir uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para se debruçar sobre o desvio dos artigos de luxo. Segundo a Globo, até ao fim de sexta-feira, já tinham sido recolhidas 108 assinaturas, sendo que são necessárias 171 para que seja aberta uma CPI.