Sevilha, a andaluza

A leitora Maria Goreti Catorze confessa o seu fascínio por Espanha e sobretudo pela Andaluzia. “Tem um encanto suplementar, devido à influência árabe que a caracteriza.”

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Começo por fazer uma declaração de interesses: adoro Espanha (o que não significa que gostasse de ser espanhola). Talvez por ter nascido numa vila da Beira Baixa, mais próxima da fronteira do que do mar. O fim do horizonte era a serra da Gata e os campos da Estremadura espanhola, não o oceano Atlântico. Isso cria raízes afectivas profundas com os vizinhos e uma curiosidade insaciável por conhecê-los de perto.

Nunca me libertei deste entusiasmo. Nem da tendência para olhar os velhos sem me vir à cabeça a Guerra Civil de Espanha. É um ferrete que a história dos povos imprime na memória alheia até ao fim dos tempos. Olho-os e sinto-me como se fosse espectadora desse acontecimento tão trágico como incompreensível aos olhos de quem tenta compreender uma guerra sangrenta, seja ela qual for.

Falemos de coisas mais agradáveis, como conhecer Sevilha, a capital andaluza. Pode-se falar dela sob muitos pontos de vista, todos fascinantes. A (grande) Espanha é bela, mas a Andaluzia tem um encanto suplementar, devido à influência árabe que a caracteriza, tanto paisagística como arquitectónica. O Sul da Península Ibérica sofreu a chamada aculturação. Significa que uma cultura absorve a outra, misturando-se ambas, mas em que uma delas reivindica superioridade sobre a outra. Actualmente prefere-se a palavra multiculturalidade, que traduz um fenómeno parecido, mas evita escolher entre dominante e dominado.

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Sevilha é o local onde igrejas, basílicas e grandes catedrais já foram mesquitas, mantendo as abóbadas e as torres árabes de antes da reconquista cristã, mas acrescentando os estilos gótico e barroco tão ao gosto do fausto típico do império espanhol. Atravesso o dédalo das ruas estreitas do Arenal, da Macarena ou do Bairro da Santa Cruz (a antiga judiaria): a cada momento surge um palácio de estilo mudéjar com os seus pátios frescos centrados por repuxos de água gotejante, arcadas ovais e azulejos pseudo-árabes (saídos das fábricas de cerâmica da Triana, do outro lado do rio Guadalquivir). São os pequenos "alcazares domésticos", abundantes na cidade do grande Alcazar do califado andaluz. Um desses magníficos palácios é a casa de Pilatos, modelo renascentista que recria esses tempos e os completa com a nova arquitectura espanhola.

Para quem aprecia ópera ou simplesmente novelas arrebatadoras encontra ali o palco de Carmen: o velho edifício da tabaqueira, hoje universidade, onde trabalhava como operária, a casa onde se encontrava com José, a bodega onde petiscavam umas tapas e, claro, a praça de touros onde foi morta por ciúme.

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Mas Sevilha vai muito além duma tragédia de paixão e morte, touros e flamengo. Tem o extraordinário Museu de Belas-Artes, onde estão os quadros de Zurbaran, Valdés Leal e Murillo, a Casa Fabíola com uma excelente colecção de arte doada por particulares, as velhas ruas decadentes e o passeio da beira-rio com a zona nova envolvente das universidades e o seu arvoredo de jacarandás e tipuanas.

Cai uma trovoada estrondosa típica de Maio. Os milhares de turistas escondem-se e a cidade fica repentinamente deserta. Chove torrencialmente nos jardins de Murillo que ladeiam o Alcazar, na Plaza Santa Cruz e no largo da catedral. Dirijo-me a pé para o hotel, que fica na margem de lá do rio, próximo da ilha da Cartuxa, longe do centro. Aproveito para entrar no mosteiro de Santa Maria de las Cuevas, ou da Cartuxa, o local onde Colombo estudava as suas viagens e onde Zurbaran trabalhou nos seus quadros. Sob a trovoada parece fantasmagórico. Depois da requalificação misturam-se ali o antigo e o contemporâneo (está lá instalado o Centro Andaluz de Arte Contemporânea). É um dos sítios mais perturbadores de Sevilha. À volta, os campos da Primavera andaluza são demasiado belos para parecerem reais.

Maria Goreti Catorze (texto e fotos)

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