África – e agora?
África apresenta hoje maior complexidade de dependências, entre elas as que são enquadradas pelos mercenários Wagner. Longe vão os tempos dos ideais dos pan-africanistas e nacionalistas africanos.
A partir dos anos 50 do século passado iniciaram-se os processos de independência dos territórios colonizados de África.
Tiveram como pano de fundo a bipolarização entre os EUA e a ex-URSS, influenciando personalidades a favor de um ou de outro, que vieram a assumir as lideranças dos seus países.
Antes disso, o pan-africanismo, movimento político centrado na africanização de África e na noção de raça, realizou congressos em Paris (1911), Bruxelas (1921), Lisboa (1922), Nova Iorque (1927) e Manchester (1945), que contaram com personalidades das diásporas africanas, como Marcus Garvey, da Jamaica, ou W.E.B. Du Bois, americano.
Mário Pinto de Andrade designou essa geração que precedeu a sua de “protonacionalistas”.
Um livro recente, Tribuna Negra, analisa as origens do movimento negro em Portugal, entre 1911 e 1933, referindo inúmeras publicações divulgadas por esse movimento, associações de defesa dos negros e personalidades de destaque.
Entre essas personalidades contam-se João de Castro, advogado de São Tomé, e José de Magalhães, médico angolano, ambos deputados ao Parlamento nessa época, tendo o segundo sido director do Instituto de Medicina Tropical, ainda hoje muito recordado.
Mulheres africanas, ligadas à mesma causa em Portugal, como a angolana Georgina Ribas ou a são-tomense Maria Nazaré Ascenso, tiveram uma participação política assinalável.
Analisar o quadro histórico em que se integraram os “protonacionalistas”, mais tarde os nacionalistas africanos, e não deixar de ter presente a evolução para a unipolaridade e agora a multipolaridade, é muito importante para se compreenderem as causas e consequências que tiveram no estado actual de África.
Como diz Luís de Camões, “todo o mundo é feito de mudança”.
É que, para alguns “protonacionalistas” como W.E. Du Bois, o conceito de raça não estava associado a uma questão biológica, mas sociológica e histórica.
Porém, para outros, como Marcus Garvey, a relação biológica da raça era relevante, tanto mais que chegou a afirmar não ser possível a integração negra nos EUA.
O mundo, como se vê, mudou muito e, porque tudo “é feito de mudança”, escassos 70 anos após a morte de Marcus Garvey, os EUA elegeram um Presidente da República negro, no caso Obama, e hoje o secretário da Defesa também o é, como inúmeros outros altos funcionários.
África, que vive hoje um período multipolar em gestação para uma nova realidade geoestratégica, apresenta maior complexidade de dependências de tipo novo, entre as quais, por exemplo, as que são enquadradas pelos mercenários Wagner, apresentados como libertadores, mas ancorados na extracção das riquezas mineralógicas desses países, como sucede na República Centro-Africana, no Mali e agora, ao que parece, no Níger.
Longe vão os tempos dos ideais dos pan-africanistas e nacionalistas africanos, sobretudo no invulgar exemplo que Mandela deu ao mundo, desde logo em África, na defesa de um Estado forte, mas humanista, integrador da multiculturalidade e multietnicidade, bem como da auto-sustentabilidade dos países em defesa da mitigação das dependências.
Porque os novos desafios impõem respostas abrangentes, integradoras e descomplexadas política e socialmente, num mundo que é cada vez mais um só, não é apenas a releitura distanciada da História que nos ensina isso, mas também exemplos como Mandela e jamais o alinhamento subserviente em defesa de uma minoria que a qualquer custo quer o poder.
Não deverão os líderes africanos procurar responder, neste novo quadro, à questão que a todos os homens de boa-fé inquieta: “África – E agora?”, contribuindo para uma defesa corajosa e genuína de não-alinhamento de interesses externos e pretensamente libertadores?