Dados sobre todos os polícias da Irlanda do Norte divulgados após “erro humano”

Nomes, cargos, patentes e locais de trabalho de dez mil agentes norte-irlandeses estiveram online durante mais de duas horas. Polícias costumam ser alvo de milícias paramilitares.

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Dez mil agentes e funcionários da polícia norte-irlandesa viram os seus dados divulgados Reuters/CLODAGH KILCOYNE
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Uma “monumental” e “inaceitável” fuga de informação, causada por um “simples erro humano”, resultou na divulgação de informações e dados pessoais de todos os agentes e funcionários públicos do Serviço de Polícia da Irlanda do Norte (PSNI, na sigla em inglês) em funções e, segundo as autoridades, pode ter “danos incalculáveis” para o território pertencente ao Reino Unido.

Os nomes, apelidos, cargos, patentes e locais de trabalho de quase dez mil pessoas estiveram disponíveis num site durante mais de duas horas, na terça-feira, na sequência de uma resposta da PSNI a um pedido rotineiro de acesso a informação detida pela polícia, ao abrigo da Lei da Liberdade de Informação.

De acordo com a imprensa norte-irlandesa e britânica, a única eventual boa notícia é que os locais de residência dos agentes e funcionários aparentemente não constaram entre os dados divulgados.

O caso é grave e ainda mais tendo em conta que os agentes policiais da Irlanda do Norte são alvos comuns dos grupos paramilitares republicanos que continuam a contestar, através da violência, o processo de pacificação e de reconciliação, consagrado no Acordo de Sexta-Feira Santa, de 1998, que pôs fim ao conflito histórico entre unionistas e nacionalistas e que cumpriu 25 anos em Abril.

Em Fevereiro, num dos mais chocantes crimes de natureza sectária dos últimos tempos no território, John Caldwell, um veterano inspector-chefe da polícia, responsável por várias investigações sobre a actividade terrorista e paramilitar, ficou em estado grave depois de ter sido atingido com “múltiplos tiros”, num parque de estacionamento, em frente ao filho, menor de idade.

Os dois atacantes tinham ligações ao Novo IRA, um grupo armado fundado em 2012, composto por nacionalistas e republicanos extremistas que faziam parte do Exército Republicano Irlandês Provisional (que renunciou oficialmente à violência em 2005), e que defendem a violência como método para alcançar o objectivo da reunificação política entre Irlanda do Norte e República da Irlanda (Estado independente).

“Neste momento, operamos num ambiente em que existe uma ameaça grave aos nossos colegas, relacionada com terrorismo (…) e a última coisa que qualquer pessoa na organização queria ter ouvido nesta noite [terça-feira] era isto”, lamentou o sub-chefe da PSNI, Chris Todd, na terça-feira, em conferência de imprensa.

Citado pelo Belfast Telegraph, Todd pediu desculpa a todos os envolvidos e admitiu “danos incalculáveis”. Garantiu, ainda assim, que a informação divulgada foi “removida muito rapidamente” da Internet e prometeu uma investigação minuciosa a esta fuga de informação “inaceitável”.

Numa mensagem publicada no X (antigo Twitter), o ministro britânico para a Irlanda do Norte, Chris Heaton-Harris, disse estar “profundamente preocupado com a fuga de informação que envolveu a PSNI” e informou que o Governo nacional está em “contacto directo” com as autoridades em Belfast.

A par da investigação interna da PSNI, a gravidade desta fuga de informação mereceria, em condições normais, um plano de acção rápido e contundente do poder político. Mas a Irlanda do Norte está sem governo e parlamento em funções há mais de um ano.

Esta situação deve-se à indisponibilidade dos ultraconservadores do Partido Unionista Democrático (DUP) para viabilizar um executivo de partilha de poder liderado pelos republicanos do Sinn Féin (antigo braço político do IRA) – vencedores das eleições de Maio de 2022, pela primeira vez em 100 anos – por se oporem ao protocolo do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia que define o sistema regulatório pós-“Brexit” no território.

O vazio de poder executivo e legislativo é também um dos factores contributivos para o agravamento das tensões sectárias na Irlanda do Norte, não havendo, neste momento, previsões minimamente confiáveis para a convocatória de novas eleições.

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