Médicos portugueses perderam poder de compra e estão entre os que menos ganham na UE

Entre 2010 e 2022, a remuneração média anual dos médicos especialistas em Portugal diminuiu de 57.021 euros para 42.401 euros por ano, contabiliza Eugénio Rosa.

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Os médicos portugueses perderam poder de compra desde 2010 Manuel Roberto
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As remunerações dos médicos portugueses, em termos reais (calculando o impacto da inflação), diminuíram desde 2010 e são actualmente “muito inferiores” às praticadas noutros países da União Europeia, conclui o economista ligado à CGTP Eugénio Rosa, que foi revisitar os dados disponíveis para fazer uma análise comparativa, numa altura em que os dirigentes das estruturas sindicais que representam os médicos continuam a negociar aumentos salariais com os responsáveis do Ministério da Saúde e das Finanças.

Para elaborar esta análise, o economista usa os dados mais recentes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) que indicam que, entre 2010 e 2022, a remuneração média anual dos médicos especialistas em Portugal diminuiu de “57.021 euros” anuais (4075 euros ilíquidos por mês) para “42.401 euros” (3039 euros ilíquidos por mês). “Se entrarmos [em linha de conta] com a inflação neste período (20,5% segundo o INE) fica-se com uma ideia mais clara da degradação das remunerações dos médicos no nosso país”, enfatiza.

Eugénio Rosa compara a disparidade das remunerações praticadas em vários países não só da União Europeia mas também de outros países da OCDE. E conclui que, em 2021, os médicos especialistas portugueses ganhavam menos 44,4% do que os espanhóis, menos 71,3% do que os alemães, e menos 39% do que os eslovenos, só para citar alguns exemplos. Na lista limitada de países que elenca, a excepção é a Grécia, onde os médicos ganhavam em 2021 menos 3,5% do que os portugueses.

As remunerações dos médicos em Portugal também são mais elevadas do que em alguns países da América Latina, como o México e a Colômbia, refere o economista, observando que fica, assim, “clara a razão por que Pizarro [o ministro da Saúde] anunciou a intenção do governo de contratar médicos” oriundos de países daquela região.

Esta comparação entre países serve para destacar dados que não são novos. No último relatório Health at a Glance, divulgado no final de 2022, a OCDE já tinha assinalado que, enquanto na maior parte dos países da organização a remuneração dos médicos cresceu em termos reais entre 2010 e 2020, em Portugal, na Eslovénia e no Reino Unido aconteceu o contrário. E foi em Portugal que esta quebra se revelou mais acentuada.

De igual forma, na publicação mais recente sobre recursos humanos em saúde (da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e patrocinado pela Fundação La Caixa), Pedro Pita Barros e Eduardo Costa deram conta da redução do "ganho médio mensal" dos médicos em Portugal na última década – que passou de 3729 euros mensais, em 2011, para 3 558 euros, em 2022. Uma diminuição da ordem dos 5%, contabilizam.

No ano passado, acrescentam, os médicos perderam "18%" do seu poder de compra face a 2011. A redução do ganho médio mensal ao longo do tempo pode ser explicada por diversos efeitos, um dos quais tem que ver com “o elevado volume de aposentações, que contribui para reduzir o ganho médio, uma vez que os profissionais com maiores níveis de senioridade têm também remunerações mais elevadas”, explicam.

"Subfinanciamento" do SNS

Na sua análise, Eugénio Rosa foi ainda olhar para outros dados que evidenciam que o “subfinanciamento crónico do SNS” está a verificar-se de novo em 2023. O economista cita os números mais recentes da Direcção-Geral do Orçamento (Ministério das Finanças) que indicam que a rubrica “despesa com o pessoal” (que inclui não só os médicos, mas todos os profissionais do SNS) cresceu, de Janeiro a Junho, 11,2%, bem acima do que estava previsto no Orçamento de Estado para este ano (2,3%) e que a fatia dos “abonos variáveis ou eventuais” aumentou ainda mais no primeiro semestre (20,3%) face ao que estava orçamentado.

Este último valor, especula o economista, foi “certamente determinado pelo recurso a horas extraordinárias devido à falta de pessoal” e não inclui “a contratação de médicos a empresas privadas cuja despesa deve ser contabilizada em ´aquisições de serviços`" .

Outro indicador que reflecte este subfinanciamento, refere ainda, é o do aumento da dívida total do SNS a fornecedores privados – que passou de 1618 milhões de euros em Dezembro passado para 1949, em Maio, de acordo com os dados do Portal da Transparência do SNS.

Ao mesmo tempo, os investimentos estavam neste período com uma taxa de execução muito reduzida – de Janeiro a Junho, apenas tinham sido gastos 101,8 milhões de euros, especifica. “É evidente que a maior parte do investimento inscrito no orçamento do SNS para 2023 não será realizado”, antevê.

O PÚBLICO perguntou ao Ministério da Saúde se confirmava os dados referidos nesta análise mas não obteve resposta.

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