Nova redacção do JN não tem espaço para todos: “É um processo de desvalorização”

Jornalistas despediram-se da torre de Gonçalo Cristóvão em protesto. Nova redacção ainda está em obras e não terá postos de trabalho para todos

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Jornalistas contestaram mudança de redacção e vivem momento com tristeza Paulo Pimenta
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A venda da icónica torre do Jornal de Notícias foi concretizada em 2019 e a notícia da saída era, por isso, esperada. Mas as condições em que foi feita foram piores do que o esperado e motivaram mesmo um protesto em frente à redacção a poucos dias da saída. Na nova “casa”, na Rua do Monte dos Burgos, o maior problema foi percebido rapidamente: “Há uma percepção evidente de que o espaço não vai ser suficiente. Não há postos de trabalho para todos”, declara Augusto Correia, um dos jornalistas que participaram no protesto.

Os jornalistas trabalharam os primeiros dias ao som de martelos e serrotes, com obras a decorrer no interior do espaço. Formavam-se filas para ir às casas de banhos, as secretárias revelaram-se pequenas e frágeis, as televisões ainda não estavam ligadas, o estúdio de gravações está por fazer, o arquivo ficou guardado numa sala com uns 30 metros quadrados (ocupava dois andares em Gonçalo Cristóvão).

A perda do edifício construído para receber o Jornal de Notícias é motivo de “profunda tristeza”, escreveu a redacção num comunicado publicado no seu site. “As instituições e os seus edifícios pertencem à vida, à memória e ao futuro das cidades”, acreditam os jornalistas, definindo a importância da torre: “É um ponto fulcral da cidade, da região e do país, onde convergiam as inquietações dos cidadãos e de onde irradiaram a informação e o esclarecimento.”

Estar longe do centro é também estar mais longe da notícia, opina Augusto Correia. Se antes muito do trabalho podia ser feito caminhando pela cidade – e tomando-lhe o pulso –, as rotinas são agora outras: “Entra-se num táxi num ponto e sai-se noutro. Perde-se o contacto.”

Para alguns jornalistas significou também passar a fazer viagens que chegam a duas horas entre casa e trabalho. “Para o centro do Porto há metro e todos os transportes, para aqui não.”

Quando a venda foi comunicada à redacção, já como uma “inevitabilidade”, estava em cima da mesa a mudança para uma redacção na Rua Latino Coelho, também fora do centro, mas mais central e muito maior. Mas esse plano acabaria por fracassar.

Para Monte dos Burgos foram as outras redacções que funcionavam em Gonçalo Cristóvão, com excepção da TSF, que não tem ainda os estúdios prontos e irá funcionar, temporariamente, na Rua do Tenente Valadim, em instalações da Media Capital.

“Desde o novo milénio a política da empresa tem sido de emagrecimento. Há porta sempre aberta para sair”, lamenta Augusto Correia, também dirigente sindical, sublinhando não só a perda de “memória e conhecimento” dos mais velhos, que saem em maior número”, como a machadada na “capacidade reivindicativa”. Esta mudança, remata, é mais um passo desse “processo de desvalorização”.

Na torre do JN nascerá o Hotel Jornal, do grupo Marriott, com 17 pisos (mais três do que o actual edifício) e uma área total de 14 mil metros quadrados. Para a redacção que ali funcionou nos últimos 53 anos, o sentimento é de perda, como escreveram no manifesto onde prometem ao leitor não desistir do diário portuense: “É difícil, por isso, aceitar que se tenha renunciado ao JN no coração da cidade; que o centro do Porto tenha perdido o último jornal. Sem que a cidade tenha podido ajudar a evitar este destino.”

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