Amnistia e HRW pedem investigação “credível” a naufrágio ao largo da Grécia
Sobreviventes acusam a guarda costeira grega de ter feito o barco virar. Autoridades gregas negam ter tido papel no naufrágio em que morreram centenas de pessoas.
As organizações de defesa de direitos humanos Amnistia Internacional e Human Rights Watch fizeram esta quinta-feira um apelo conjunto para uma investigação credível ao naufrágio de uma traineira sobrelotada com refugiados e migrantes em que morreram centenas de pessoas, sublinhando que o contraste entre as versões dos sobreviventes e da Guarda Costeira grega é “extremamente preocupante”.
O barco de pesca, em que viajariam mais de 700 pessoas do Paquistão, Egipto e Síria, que saíram da Líbia com o objectivo de chegar a Itália, naufragou em meados de Junho, pouco depois da chegada de uma embarcação da guarda costeira grega ao local.
Não se sabe quantas pessoas seguiam na traineira, nem quantas morreram. Sabe-se apenas que sobreviveram 104 homens (mulheres e crianças, incluindo bebés, iam no porão; todas as pessoas que iam no porão morreram) e que foram retirados do mar apenas 82 corpos.
A Grécia foi acusada pela sua responsabilidade no incidente por várias investigações jornalísticas.
A Guarda Costeira da Grécia sabia da existência do barco, tendo sido alertada para ele por avisos da Frontex, a autoridade que gere as fronteiras da União Europeia, e de activistas, diz a Lighthouse Reports, organização não-governamental de investigação e jornalismo colaborativo. Mas não resgatou as pessoas, optando por ficar a observar a embarcação, ignorando uma oferta da Frontex para ajudar.
Na noite seguinte, a Guarda Costeira grega enviou um barco para perto da traineira que, pouco depois, se virou e afundou. Dos relatos de sobreviventes, uma história destaca-se: a traineira virou depois de começar a abanar ao ser puxada, com demasiada velocidade, pela embarcação grega.
Também a AI e a HRW repetem este relato, ouvido em entrevistas com 19 sobreviventes. “Os sobreviventes entrevistados dizem consistentemente que a embarcação da Guarda Costeira grega prendeu uma corda ao Adriana e começou a rebocá-lo, fazendo-o balançar e depois virar", afirmaram.
A Guarda Costeira e o Governo gregos dizem que nunca houve nenhuma tentativa de arrastar o barco. A embarcação grega estava a cerca de 70 metros quando a traineira virou, garantem.
Esta disparidade de versões “é extremamente preocupante”, disse Judith Sunderland, da HRW.
As duas organizações querem que a investigação responda não só à questão da responsabilidade pelo naufrágio, também se os “atrasos ou falhas nos esforços de salvamento” possam “ter contribuído para a terrível perda de vidas”.
A Lighthouse Reports vai, no entanto, ainda mais longe na sua investigação, feita em conjunto com a revista alemã Der Spiegel, o diário espanhol El País, o diário britânico The Times, e outros, dizendo que houve alterações de testemunhos oficiais de alguns sobreviventes, com base em documentos e entrevistas a quem seguia na embarcação.
Segundo a organização, houve vários sobreviventes que foram entrevistados pelas autoridades locais apenas algumas horas após o naufrágio, e que tinham formulações quase idênticas para descrever a causa do naufrágio: o “barco era velho” e “não havia coletes salva-vidas” (as entrevistas tinham sido traduzidas por três pessoas diferentes). Num dos casos, o tradutor pertencia à própria guarda costeira grega. Os outros eram habitantes locais, que falavam árabe e outras línguas, e que começaram a trabalhar nesse dia.
A responder já num tribunal, desses nove sobreviventes, seis disseram que o barco estava a ser rebocado pela Guarda Costeira grega quando se virou. A Lighthouse Reports falou com dois deles, e ambos disseram que tinham mencionado isso, mas que foi omitido. Um deles apercebeu-se que não estava no depoimento quando o assinou, mas estava demasiado "aterrorizado" para se recusar a assinar, contou.
Uma investigação do diário norte-americano The New York Times ao acidente, cujo número de vítimas foi “chocante até para a rota mais mortífera do mundo”, diz que “a escala de mortes era evitável”. “Dezenas de responsáveis e equipas da Guarda Costeira estavam a monitorizar o navio, mas o Governo grego tratou a situação como uma operação policial, não como um resgate. Em vez de enviar um navio-hospital, ou especialistas em salvamento, as autoridades mandaram uma equipa que incluía quatro homens armados de uma unidade de operações especiais”, escreve o diário.
O jornal também desmonta a alegação grega de que as pessoas do navio não queriam ser resgatadas. O Adriana já não estava a seguir para Itália há seis horas e meia, tendo começado a navegar em círculos. Vários sobreviventes contaram, nos testemunhos, que pediram ajuda, gritando no convés, e alguns tentaram saltar para um navio comercial que tinha parado para lhes dar água.
Nessa altura, já era claro que o capitão estava perdido, escasseava água e comida, e tinham morrido seis pessoas que iam a bordo, incluindo um bebé.