Frontex escondeu, encobriu e mentiu sobre os pushbacks ilegais de migrantes e refugiados no mar Egeu

“As chefias queriam encobrir e não permitiam a investigação”, disse um funcionário citado num relatório sobre a acção da Agência Europeia de Fronteiras e Guarda Costeira citado pelo jornal francês Le Monde e a revista alemã Der Spiegel.

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Operação do navio da ONG Sea Watch numa operação de resgate no Mediterrâneo Reuters/SEA-WATCH/NORA BORDING

Sempre que surgia uma questão sobre pushbacks ilegais a migrantes e refugiados no mar Egeu, sempre que havia uma acusação de que a guarda costeira grega estava a pôr pessoas em risco ao tentar afastar embarcações precárias, sobrelotadas e sem qualquer segurança, sempre que morriam pessoas e se punha em foco a acção da Frontex, a Agência Europeia de Fronteiras e Guarda Costeira, a resposta era que esta estava a ser investigada.

A 15 de Fevereiro, a agência europeia antifraude (OLAF) apresentou o seu relatório, que terá estado, em parte, na origem da demissão do director da Frontex, Fabrice Leggeri. E este relatório é “tão tóxico” que ninguém o quer sequer ler, dizem a revista alemã Der Spiegel e o diário francês Le Monde, que, junto com a organização Lighthouse Reports, tiveram acesso ao documento. “A nova directora da Frontex, a letã Aija Kalnaja, disse que não o tinha visto. E o vice-presidente da Comissão, o grego Margaritis Schinas, apoiante de longa data de Fabrice Leggeri, recusou-se a dizer durante a reunião se o tinha lido ou não”, descreve o diário Le Monde.

O relatório confirma, em resumo, o que tem sido denunciado uma vez e outra: que a guarda costeira grega recorre frequentemente aos chamados pushbacks, ou seja, “empurram” as embarcações para a origem quando estas já estão nas suas águas e a lei internacional obrigaria a que permitissem, sim, a que chegassem ao destino, e que ajudassem e salvassem os seus ocupantes caso estes ficassem em perigo. Mas afirma também que a chefia da Frontex tinha conhecimento detalhado do fenómeno e que participou num encobrimento destas ilegalidades.

“Em vez de impedir os pushbacks, Leggeri e os seus próximos encobriram a Grécia, mentiram descaradamente ao Parlamento Europeu, e esconderam o facto de que a agência está a financiar pushbacks com dinheiro dos contribuintes europeus”, declarou Giorgos Christides, co-autor da notícia na revista Der Spiegel, no Twitter.

Christides cita alguns dos pontos especialmente problemáticos no relatório. Uma citação atribuída a um responsável da Frontex em relação a um incidente: “Com base na fotografia e informação que tínhamos e nas imagens que vimos, era aceite na agência que estávamos a ser confrontados com pushbacks ilegais, mas as chefias queriam encobrir e não permitir investigação”.

A propósito de outro caso, em Agosto de 2000, responsáveis do Frontex disseram que a guarda costeira grega estava “a pôr seriamente em risco as vidas dos passageiros”, depois de serem divulgadas imagens de um barco de borracha a ser levado para águas territoriais turcas por uma aeronave da Frontex. Uma nota escrita à mão dizia que a Frontex tinha retirado “para não sermos testemunhas”.

A direcção do Frontex, diz por sua vez a notícia do francês Le Monde, respondia sempre do mesmo modo às conclusões dos seus próprios serviços, relata a OLAF: cingir as descobertas ao círculo mais pequeno possível – evitar o contágio, descreve o jornal, citando o relatório: “Havia um sistema recorrente [da parte da direcção], de querer esconder informação e evitar responsabilidades”, disse um funcionário da Frontex. “Penso que na altura Fabrice Leggeri queria proteger a Grécia. É o país que a agência mais apoia. Mas ninguém percebe porque é que ele correu este risco”, recorda um funcionário que era próximo de Leggeri.

Em resposta a questões postas por jornalistas sobre o caso, Anitta Hipper, porta-voz da Comissão Europeia para as matérias de migrações e segurança interna, disse que “a protecção da fronteira externa tem de ser feita com respeito pelos direitos fundamentais”, e que “a Comissão reiterou à Frontex que tem de garantir que existem as estruturas necessárias para garantir que isso acontece”.

Hipper também declarou que a comissária europeia dos Assuntos Internos Ylva Johansson insistiu, na sua última reunião com o Governo grego, a 30 de Junho, que todas as alegações de pushback têm de ser investigadas.

Em relação à questão de se o relatório iria ser público, como pedem os jornalistas que o divulgaram e vários eurodeputados, o porta-voz da Comissão Europeia Eric Mamer disse que estes são documentos “que não têm por vocação serem tornados públicos”.

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