Jogadoras italianas não queriam bonecas nem saiotes

Sábado é dia de Suécia-Itália no Mundial, é dia de um casal de namoradas se enfrentar em campo e é dia de reflectir, a bordo das memórias das italianas, sobre a luta de querer jogar futebol.

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Lisa Boattin (à direita), num treino da selecção italiana Reuters/DAVID ROWLAND
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A sociedade do século XX – e mesmo a do início do século XXI – não facilitou o caminho às meninas que só queriam fazer o que os rapazes faziam. E por que motivo não poderiam? Agora, já estamos em 2023 – por isso, podem.

O vanguardismo norte-americano foi uma excepção neste atraso civilizacional, mas, em geral, uma menina que quisesse jogar à bola teria de contar com especial abertura mental dos pais e mesmo dos amigos, professores e familiares. Sempre houve coisas “de menina” e coisas “de rapaz” – do cor-de-rosa versus azul, da boneca versus carrinho, da maquilhagem versus lutas e do ballet em saiotes versus escaladas às árvores.

Lisa Boattin, Valentina Giacinti e Benedetta Glionna são três jogadoras da selecção italiana que vão defrontar a Suécia depois de lutas individuais na juventude. E há uma outra que teve fortuna bem diferente.

Lisa conta que, em miúda, era ginasta. Queria o futebol, mas impingiram-lhe a ginástica. Até ao dia em que teve o seu primeiro recital. “Olhei para o espelho, no meu quarto, e recusei-me a sair. Sentia-me envergonhada por usar um tutu”, recordou, citada pelo Guardian.

Valentina era, por outro lado, mais austera na luta, para que não ficassem dúvidas da sua preferência. “A minha avó dava-me sempre bonecas como presente. Eu arrancava-lhes as cabeças e jogava à bola com elas. Os meus pais perceberam rapidamente que eu tinha outra paixão”, cita o jornal britânico.

Já Benedetta teve um pouco mais de sorte – no meio do azar. Tinha um problema de hiperactividade e só queria jogar futebol com o irmão e os amigos dele. E deixavam-na, porque isso a ajudava a acalmar-se.

Fortuna completa, mais do que a parcial de Benedetta, foi a vivida por Annamaria Serturini, que resumiu a infância futebolística de uma forma simples. “A minha mãe deixou o emprego para me levar aos treinos todos” premissa que não seria inédita para jovens rapazes, mas é rara para meninas que querem jogar futebol.

Influência diferente

Depois de serem felizes na luta pelo futebol, têm, hoje, papéis relevantes na equipa italiana. Boattin é uma das jogadoras mais importantes e chega a este Mundial com mais de 30 jogos na Juventus e participação directa em sete golos, apesar de ser defesa, depois de na temporada anterior ter sido eleita a melhor jogadora da Liga italiana.

Também Giacinti é de importância vital na equipa italiana, mas no labor oposto: o de marcar golos. Depois de ter pensado deixar o futebol há dois anos, então no AC Milan, diz que recuperou o amor pela competição com a transferência para a Roma.

Resultado: 20 golos na temporada e peça-chave no título italiano conquistado pela equipa da capital – o primeiro na carreira de Giacinti, já há vários anos das principais goleadoras do campeonato.

Menos influentes são Benedetta Glionna e Annamaria Serturini, atacantes da Roma que sofrem não pelas más temporadas, mas pelo excesso de opções de bom nível no ataque italiano.

A homossexualidade “proibida”

Como trivialidade, o Suécia-Itália agendado para este sábado vai ter, em lados opostos, duas jogadoras que partilham os seus dias de bem perto. Lisa Boattin, a tal do tutu indesejado, e Linda Sembrant, jogadora sueca, são namoradas e vão poder defrontar-se em campo.

Aquilo que seria uma mera curiosidade, para “matar” em duas linhas de texto, ganha um pouco mais de relevância quando pensamos se alguma vez vimos isto no futebol masculino – e mais ainda no futebol de topo.

A inexistência de gays (ou casais) no futebol masculino é uma quimera irreal, pelo que o que estará em causa é a inexistência de gays publicamente assumidos – aí, as mulheres e o futebol feminino estão um passo à frente.

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