Macron promete “novo estatuto” para a Nova Caledónia de olhos postos no Indo-Pacífico
Presidente francês visitou um território que já por três vezes votou por não se separar de França. Numa viagem que se estende a outros países da região, a sua ideia é reforçar a presença francesa.
A primeira vez que Emmanuel Macron esteve na Nova Caledónia foi em 2018, quando o arquipélago se preparava para um referendo à independência. Cinco anos depois, os habitantes daquele território ultramarino francês no Pacífico já foram três vezes às urnas recusar a separação de França e o Presidente diz que é tempo de virar a página.
De visita à região, num périplo que ainda o vai levar a Vanuatu e à Papuásia-Nova Guiné, Macron declarou que “no princípio de 2024” haverá uma “revisão da Constituição” para definir um “estatuto novo” para o arquipélago.
Formado por cinco pequenas ilhas, o território da Nova Caledónia fica a uns mil quilómetros da Austrália e da Nova Zelândia, no Pacífico Sul, e é um dos resquícios do colonialismo francês. Foi anexado por Paris em 1853 e, em 1998, as autoridades locais e francesas assinaram um acordo que permitiu a transferência de poderes e competências para Nouméa, capital do arquipélago, e que previa a possibilidade de se realizarem três referendos à independência.
O último destes escrutínios realizou-se em Dezembro de 2021 e o “não” obteve uma maioria esmagadora de 96,5% dos votos, embora o campo pró-independência conteste a validade do acto eleitoral por se ter realizado durante a pandemia de covid-19 e de a taxa de abstenção ter sido superior a 50%. Na altura, responsáveis políticos independentistas afirmaram que a pandemia tinha impedido uma campanha eficaz pelo “sim” e acusaram França de não querer adiar o referendo para impedir uma mudança do statu quo. Nas votações de 2018 e 2020, o “não” ganhara com 57% e 53%.
“A Nova Caledónia é francesa porque decidiu manter-se francesa”, declarou Macron num discurso na principal praça de Nouméa, repleta de bandeiras tricolores e perante uma multidão fundamentalmente leal a França. Afirmando que não quer “desvalorizar as aspirações frustradas daqueles que defendiam um outro projecto”, o chefe de Estado apelou a um diálogo “para o cumprimento de uma cidadania plena e baseada num contrato social, feito de deveres e de direitos”.
Apesar dos apelos, a visita de Macron fica marcada por um boicote dos dois principais partidos pró-independência, a União Caledónia e a Frente de Libertação Nacional Kanak Socialista. O primeiro emitiu um comunicado em que, segundo a AFP, acusa o Presidente francês de ter “uma estratégia política de Estado colonial que se mantém muito distante da trajectória feita pelo movimento independentista com vista à plena soberania e à independência do país kanak”.
Os kanak são o povo autóctone da Nova Caledónia, que viu em 1998 ser-lhe reconhecida a sua “civilização própria, com as suas tradições, os seus dialectos, o seu costume na organização do campo social e político”. Um representante kanak, Victor Gogny, manifestou a Macron a esperança de que a visita “marque verdadeiramente o início de um processo de reconciliação e refundação”.
A deslocação do chefe de Estado francês e a vontade em definir rapidamente um estatuto novo para aquele território deve-se também à vontade de afirmar França naquela região do mundo, que é cada vez mais uma zona em que China e Estados Unidos disputam as respectivas capacidades de influência. “A França está no Indo-Pacífico”, disse Macron à TF1. “É a nossa influência que se joga aqui também.”
Calédoniennes, Calédoniens,
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) July 26, 2023
En 5 ans, nous avons fait beaucoup.
Pour les jeunes et les générations qui nous succéderont, nous n'avons pas le droit d'en rester là. Avançons ensemble sur les chemins du pardon et de l’avenir. pic.twitter.com/IGbTzMKI3K
Entre a Polinésia Francesa, a ilha de Reunião e a Nova Caledónia há 1,6 milhões de cidadãos franceses, 8000 militares das Forças Armadas e 11 milhões de quilómetros quadrados de zonas económicas exclusivas.
No referendo à independência de 2020, o principal tema de campanha foi a China. Os partidários do “não” argumentavam que uma eventual separação do arquipélago da França deixaria a Nova Caledónia excessivamente dependente de Pequim, enquanto os partidários do “sim” contrapunham que, economicamente, isso podia nem ser assim tão mau.
Macron voltou nesta visita a esse tópico. “Se a independência é amanhã escolher ter aqui uma base chinesa, boa sorte. Isso não se chama independência”, disse o Presidente, que seria depois acusado pelos independentistas de “instrumentalizar” a Nova Caledónia para fins geopolíticos.
Depois da visita a este arquipélago, Emmanuel Macron segue para outro, o de Vanuatu, que obteve a independência de França em 1980. É o primeiro Presidente a visitar aquele território desde Charles de Gaulle, em 1966. O périplo termina na sexta-feira com uma deslocação à Papuásia-Nova Guiné.