Elga Fontes é tradutora e quer “tornar o mercado literário mais inclusivo”

Traduziu a novela gráfica Género Queer, a jornada autobiográfica de uma pessoa não-binária que usa pronomes neutros. Criou a página “Quem me lera” para partilhar sugestões de livros.

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Elga Fontes MATILDE FIESCHI
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Os livros sempre estiveram presentes na vida de Elga Fontes, de 27 anos. Talvez por isso se tenha apaixonado pelo trabalho de tradução literária, apesar de ter pensado seguir pelo caminho da legendagem assim que a faculdade terminasse.

“Tive cadeiras práticas de tradução literária, mas nunca foi algo que me imaginasse a fazer. Acabou por surgir a oportunidade de traduzir um livro [A Filha do Guardião do Fogo, de Angeline Boulley, editora ​Infinito Particular]​. Adorei”, conta Elga.

Recentemente, traduziu o livro Género Queer, uma novela gráfica autobiográfica que retrata a jornada de Maia Kobabe como pessoa não-binária e assexual. Nos últimos anos, tornou-se um dos livros mais vezes banidos de bibliotecas nos Estados Unidos da América. Elga Fontes descreve-o como um "exercício de empatia", em que é "fácil entender as emoções" que são expressas na obra.

A tradução e revisão de livros como este, que utilizam linguagem neutra em género, exige que os profissionais conheçam os sistemas de linguagem inclusiva para garantir que são fiéis à identidade das personagens ou autores do livro. Na adaptação de Género Queer para português, Elga usou o sistema elu, que utiliza "neopronomes" pessoais neutros como "elu", "delu", "nelu", "aquelu" e que muitas vezes usado para fazer referência a pessoas não-binárias. A tradutora refere que isso não foi um problema. "A partir do momento em que se conhece estes sistemas, em que uma pessoa fica confortável com eles, não há problema. Pelo menos, pela minha experiência", explica.

A primeira vez que usou linguagem inclusiva, enquanto profissional, foi durante a tradução de Lendários, um livro de fantasia também da editora Infinito Particular. Têm sido criadas estratégias na língua portuguesa para que as pessoas não binárias se sintam representadas. Algumas das alternativas passam por substituir as vogais por "x", "*", "@" ou "_", o que dificulta a sua sonorização e leitura; colocar o "e" em vez do "a" ou do "o" (o famoso "todes", por exemplo); e o sistema elu. Para a tradutora, "a linguagem inclusiva é uma oportunidade para as pessoas se sentirem representadas na língua que usam". "Toda a gente tem o direito a sentir-se representada e respeitada na língua que usa", defende. As editoras portuguesas estão a dar os primeiros passos nesta matéria, mas ainda "a passo de caracol", diz Elga.

Além de gostar de linguagem inclusiva, Elga gosta de trocadilhos. Foi assim que decidiu chamar Quem me lera ao perfil no Instagram que criou em 2019 para falar sobre "livros e diversidade". O que mais gosta de fazer é emparelhar livros com séries o último foi uma sugestão de “livros para quem tinha gostado da série Rabo de Peixee sugerir leituras inspiradas em músicas ou partes específicas da letra de uma canção.

A tradutora considera que a sua página, bem como outras que têm o mesmo público-alvo, transformaram-se "num meio de as editoras analisarem a procura". "As editoras estão a ir atrás dos livros que viralizam no Tiktok, por exemplo. E muitos livros que estão a ser traduzidos são livros que 'viralizaram' e que as editoras entraram numa corrida para trazer para cá", explica.

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MATILDE FIESCHI

Confessa devoradora de livros, este ano já leu mais de 40, sem contar com aqueles que teve de traduzir. Está a ler dois livros ao mesmo tempo: De olhos em ti, de Amy Lea, e Fourth Wing, de Rebecca Yarros. O recorde foi ler três livros em paralelo. A tradutora considera que é uma boa forma para não ficar rapidamente "saturada" em relação a um determinado assunto, mas que também está relacionado com o facto de ser o que chama de uma "leitora por disposição", ou seja, escolhe o que ler consoante a sua "disposição e humor".

“Este ano, estou a ter muito boas experiências [em termos de leituras]”, admite. Recentemente, leu Babel e Yellow Face, de Rebecca Kuang — “tornou-se a minha autora favorita, estou a devorar tudo o que ela escreveu” —, e Felix Ever After, de Kacen Callender. Para quem gostava da série iCarly, Elga sugere a leitura do livro Ainda bem que a minha mãe morreu, uma obra autobiográfica sobre a actriz Jennette McCurdy.

A tradutora sugere ainda a obra Género Queer para todos aqueles que querem começar a ler livros que utilizam linguagem neutra, porque é “um bom ponto de partida por ser um livro de não-ficção, um registo autobiográfico”. Ainda nesta temática, mas só para quem gosta do género fantasia, recomenda Lendários, que fala de racismo, herança da escravatura, colonialismo e sobre desenvolver uma identidade e sentimento de pertença nesse contexto.

Para quem lê tantos livros, será que já pensou em escrever um? Embora não descarte essa hipótese, Elga admite gostar "mais de trabalhar nos livros dos outros".

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