O cantor que adornava a palavra com sentimento

Confesso admirador de Tony Bennett, o cantor, compositor e professor com uma carreira ligada em grande parte ao jazz deixa a sua homenagem a uma das grandes vozes do século XX americano.

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Tony Bennett no Cheyenne Civic Center, no Wyoming, em Outubro de 1991 Mark Junge/Getty Images
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Anthony Benedetto morreu. O grande Tony Bennett deixou-nos. Deixou-nos uma obra imensa que abrange sete décadas. Deixou um legado de excelência e elegância como artista. Álbuns para uma ilha deserta? Tony Bennett at Carnegie Hall, de 1962, em especial Without a Song, onde tudo o que ambiciono como cantor existe: o timbre inigualável, a energia controlada, a elocução cuidada e a musicalidade irrepreensível, para não falar no sentido de humor e generosidade que não impedem uma rápida resposta a um elemento do público mais afoito, sem perder a noção do tempo e da história.

Tony Bennett era um cantor de cantores, o favorito de Frank Sinatra (o que por si já diz muito), e humildemente junto-me a esse grupo. O amor à palavra e à melodia, um conhecimento profundo e um respeito sem medida pelos grandes compositores do American Songbook são uma das razões pelas quais uma canção com o cunho de Bennett é uma referência incontornável. Não é à toa que I left my heart (in San Francisco) foi gravado uma vez, num único take. Bennett é também o cantor dos duetos com inúmeras outras vozes que só ficavam maiores perante a sua forma generosa de adornar a palavra com sentimento, e não com a melodia.

Bennett do dueto com Bill Evans em Waltz for Debby, que nunca foi tão ternurenta e melancólica. Com k.d. lang em Moonglow, que o apresentou a um novo público, a geração MTV, e que assim descobriu que a músicas dos pais e avós era, afinal, cool. Também a versatilidade era uma prova do seu génio e da sua alma musical.

Estou na estrada a escrever esta triste crónica, porque um dos meus heróis desapareceu. Espero que os que não conhecem a sua obra a descubram nos inúmeros artigos que certamente vão povoar os media e redes sociais do mundo, mas também pela música que nos deixa.

Acabo com a invocação de um vídeo retirado do concerto do seu 70.° aniversário, em que canta For once in my life ao lado de Stevie Wonder. No final da canção, Bennett canta a última frase com uma explosão vocal que termina numa nota longa, mãos unidas em redor do microfone, a olhar o céu, como que em prece ou em transe, enquanto Wonder cria uma filigrana melódica que não pretende protagonismo, mas é uma resposta, pelo gospel, pelo hino, real ao seu desafio. Bennett tinha esta forma de extrair o melhor de todos que o rodeavam ou que simplesmente o admiravam. Nunca o conheci, mas sinto que lhe devo isso. Obrigado!

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