As 20 melhores canções dos Blur: as escolhas do Ípsilon

A pretexto de The Ballad of Darren, novo álbum de uma banda que já não contávamos ver reunida em estúdio, o Ípsilon revisitou a discografia dos Blur. E foi difícil eleger só 20 obras-primas...

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Blur KEVIN WESTENBERG
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There’s no other way (1991)

Foi o início de tudo e, no início de tudo, Damon Albarn tinha um glorioso cabelo à tigela, facção The Byrds ou Inspiral Carpets. Foi precisamente nesse cruzamento entre o psicadelismo sixties e o baggy psicadélico de Madchester, dança bem medida e apuradíssima precisão pop, que conhecemos os Blur. Amor à primeira vista – e estávamos longe de imaginar o que se seguiria. M.L.

Sing (1991)

Num álbum de estreia dominado pelas tais vibrações que, a partir de Manchester, eram então o diapasão da pop inglesa (ainda no processo de se transformar em mercadoria e marca, a tal da Britpop…), Sing caía, se não como uma bomba, pelo menos como uma excentricidade. Tudo tóxico: a guitarra, a bateria, o piano, o refrão. Mais de 30 anos depois, o feitiço mantém-se intacto, como sentimos na pele (de galinha) a meio do último concerto no Porto. I.N.

Blue jeans (1993)

Perante o portento de melancolia que é o novo The Ballad of Darren, vale a pena recuar até às primeiras explorações desse filão que, a par da sátira (só por vezes autodepreciativa) da vida inglesa, se tornou imagem de marca dos Blur. Blue jeans, do talvez inultrapassado segundo álbum, Modern Life Is Rubbish, terá sido um dos primeiros pináculos de uma prodigiosa “linha de trabalho”. Mas era ainda doce, a melancolia desses anos: “I don't really want to change a thing/ I want to stay this way forever”… I.N.

Sunday sunday (1993)

Se os Blur sempre foram, na guerra da habilitação de herdeiros dos Beatles, aqueles que melhor incorporaram o experimentalismo e a inquietude artísticos dos fab four, tempos houve em que se mostraram também os mais esmerados discípulos dos retratos sociais da vida britânica produzidos por Ray Davies com os The Kinks (um outro espelho é a documentação fotográfica desse modo de ser da classe média britânica captado pela lente do fotógrafo Martin Parr, autor da capa de The Ballad of Darren). Sunday sunday é um desses temas maiores, tongue in cheek, fresco domingueiro da melhor roupa para passear no parque, da celebração da família e da moleza das tardes em que a preguiça é assalariada do comando da televisão. Mais uma vez, com uma guitarra de Graham Coxon que parece saltar e sorrir com ironia a cada verso que passa. G.F.

Tracy Jacks (1994)

Exultante retrato da crise de meia-idade, de quando a modern life se agiganta na agonia daquela fase em que a vida pode estagnar e revelar a desilusão de tudo aquilo que não veio a ser, vencida pela trituradora social. Tracy Jacks é canção feita hino, com coro obrigatório, vozes juntas a glorificar um homem que, depois dos 40, arrasou a sua própria casa com um bulldozer, perdido todo e qualquer amor ao quotidiano de obrigações, dívidas, rotinas e conformismo. A guitarra e o baixo dão-lhe o balanço de que precisa para o salto final. G.F.

End of a century (1994)

Um ano depois, veríamos Damon Albarn em dueto com Ray Davies na imortal Waterloo sunset dos Kinks. Não foi por acaso. Em Parklife, o terceiro álbum, os Blur florescem, tal como os Kinks 30 anos antes, como cronistas do quotidiano, faróis de um tempo, inspiradíssima máquina pop. End of a century, lupa sobre a vida doméstica a sintetizar o Zeitgeist finissecular, é disso um dos melhores exemplos. M.L.

This is a low (1994)

Damon Albarn terá chegado a confessar que, de todas as canções dos Blur, esta seria a sua preferida. A letra ter-lhe-á sido sugerida por um lenço com o mapa das ilhas britânicas que Alex James lhe oferecera no Natal e que o acompanhou numa operação a uma hérnia, conta o baixista em Bit of a Blur (2007). E assim um disco que começava juvenil, com sexo, álcool e banhos no Mediterrâneo (Girls & boys), acabava em casa, a tempo do chá das cinco e de uma ressaca de solidão tão avassaladora que até a Rainha de Inglaterra se atirava de um penhasco. Tínhamos (ainda temos) hino! I.N.

Charmless man (1995)

No vídeo desta canção, vemos o muy bem-vestido e elegante Jean-Marc Barr, rosto recorrente na filmografia de Lars von Trier, a fugir de forma incrédula e desesperada da banda. Até abalroa o quarteto com o seu carro num beco escuro. Tudo porque Damon Albarn está a cantar verdades dolorosas, esfregando-as na cara deste homem “educated the expensive way”. “He thinks his educated airs, those family shares/ Will protect him, that we’ll respect him/ He moves in circles of friends who just pretend/ That they like him, he does the same to them.” A caneta inspirada dos Blur a dar um ar da sua graça numa maravilhosa explosão pop de três minutos e meio. D.D.

The universal (1995)

A sobreexposição costuma lançar pazadas de falta de discernimento quando toca a olhar para canções que parecem ter ficado gastas de tanto se terem impregnado no imaginário colectivo. Mas os Blur sempre foram exímios a reduzir os valores do conta-quilómetros e a dar descanso à ansiedade juvenil (elogio) que alastrava pelos instrumentos dos seus primeiros álbuns, e em temas como To the end e The universal criaram duas das mais tocantes canções da pop britânica colheita anos 90. The universal é um monumento épico de cinismo quanto às maravilhas da vida sob o domínio da tecnologia e uma aparente narrativa sobre medicação género Prozac, fabricada para domar sentimentos negativos e ajudar a engolir a realidade. Não por acaso, o vídeo era uma homenagem directa à Laranja Mecânica de Kubrick e Burgess. G.F.

He thought of cars (1995)

A capa de The Great Escape pode parecer o retrato de umas luxuosas férias de Verão numa qualquer paisagem exótica e paradisíaca, mas o desassossego que mais tarde assumiria outro protagonismo na música dos Blur já por aqui andava — aliás, já surgira nos trabalhos anteriores. Ouça-se este que é o nono tema deste disco. “He thought of cars/ and where, where to drive them/ and who to drive them with/ but there, there was no one, no one”, suspira no refrão Damon Albarn, voz apenas tangencialmente presente, enquanto Graham Coxon opera bends cirúrgicos na guitarra, disparando torpedos desorientantes e desorientados. Uma solidão incomensurável, uma canção imensa. D.D.

Beetlebum (1997)

A letra inspirou-se nas experiências com drogas (heroína incluída) de Damon Albarn e da namorada de então, Justine Frischmann (Suede, Elastica). Apropriadamente, a canção oscila entre a neura e a euforia: o riff de Coxon, estupidamente simples, uma guitarra a morder-se; o refrão a ressuscitar os Beatles mais expansivos e coloridos – e Albarn entregue à viagem opiácea (“And when she lets me slip away / She turns me on and all my violence gone / Nothing is wrong”). Arte rock. P.R.

You're so great (1997)

Graham Coxon a chegar-se à frente. A canção é só dele: guitarra acústica e uma voz tímida, a gravação lo-fi a dar-lhe o charme do rock independente americano (os Pavement numa cassete velha, Daniel Johnston em estado natural), um solo eléctrico a juntar-se. Parece pouco? É muito. P.R.

Tender (1999)

O mesmo álbum em que encontraremos uma canção críptica como Battle abre com Damon Albarn a escolher as suas palavras da forma mais simples e directa possível. Parece que quando o tema é amor, ou o fim de um amor específico, não dá para evitar ficarmos reduzidos ao mais básico do nosso vocabulário e das nossas vulnerabilidades. Simplifiquemos, então, nós também: tema sobre o fim da relação amorosa de Albarn com Justine Frischmann, Tender é, muito sucintamente, uma maravilha. Aquele coro gospel que dá força para continuar, aquele refrão instantaneamente memorável que parte de um lugar de dor mas se revela um colchão fofo para amparar a queda (e ao qual é difícil ficar indiferente quando, ao vivo, é entoado por milhares de almas ao mesmo tempo). Está lá tudo. D.D.

Battle (1999)

Um teclado que cai do céu estrelado para nos ofertar notas tão belas quanto imensamente melancólicas. Um Dave Rowntree que castigará a sua bateria imaculadamente, conferindo a urgência necessária ao que estamos a ouvir. Um baixo que se imporá uma potente nota de cada vez. Uma voz que, aos cambaleios, ensaiará melodias reparadoras com palpável amargura, que dirá tanto com tão poucas e tão crípticas palavras. A música será ora mais celestial, ora mais cortante, sempre aconchego em forma semi-abstracta. Longe de ser uma canção que tenha adquirido o estatuto dos clássicos da banda, Battle tem algo a dizer a cabeças onde o pó que interfere com a saúde dos pensamentos é de difícil remoção. Um portento. D.D.

Mellow song (1999)

A Cool Britannia da Britpop deixara de ser cool, triste destino selado por desgaste industrial e pelo abraço mortífero de Tony Blair. Em 13, como antes no álbum homónimo de 1997, eram outros os Blur. Guitarras dissonantes, experimentação sónica, manipulação electrónica, planares psicadélicos. Do mellow intimista ao espaço sideral, os Blur a chegarem mais longe. M.L.

Coffee & TV (1999)

O premiado vídeo com um adorável pacote de leite numa desesperada procura por Graham Coxon está nas nossas memórias dos anos 90, a canção ainda mais: uma delícia quase beatlesca, se os Beatles se entregassem ao prazer do feedback eléctrico, Coxon a assumir a voz (a letra fala da sua luta contra o alcoolismo) e a mostrar que o mundo é dos tímidos, dos inadaptados. Ou devia ser. P.R.

Trimm trab (1999)

Quase, quase a fechar 13, álbum simultaneamente seminal e terminal, os Blur abandonavam-se a um transe enganosamente melódico que, com o avançar dos segundos, vai sobrecarregando com camadas e camadas de estímulos, deixas e cornucópias o que podia ter sido apenas Damon Albarn no confessionário. A voz, imaculada, puxando o lustro a cada uma das suas icónicas sibilantes, é a única matéria límpida aqui; tudo o resto é vertigem. Que este tema aparentemente secundário se mantenha nos alinhamentos da banda até hoje (dando ao baterista Dave Rowntree todo o palco que merece) é uma dádiva impagável. I.N.

Out of time (2003)

O primeiro lançamento dos Blur sem Graham Coxon é um milagre, uma afirmação criativa. Sem o guitarrista de sempre, a banda encontrou algum sossego em Marrocos, convocando o Group Regional du Marrakech, com os seus ouds, violinos, violoncelo, darbukas e qanuns, para elevar à estratosfera uma singela balada alicerçada na guitarra acústica de Damon Albarn e no baixo movediço de Alex James. As cordas marroquinas pairam na canção – música fora do tempo, verdadeiramente, uma formosura que brilha no deserto da nossa solidão. P.R.

Ambulance (2003)

Percussões magrebinas e caixa de ritmos, sintetizadores e metais envolventes, mecânicas de produção electrónica num corpo rock em metamorfose. Ambulance, primeira canção de Think Tank, não demora a mostrar tudo o que mudou. Bem-vindos ao sombrio e convulsivo século XXI. M.L.

Battery in your leg (2003)

Dilacerante tema final de Think Tank, durante muitos anos a última guitarra de Graham Coxon na vida dos Blur (é o único tema do álbum em que participou). Se no primeiro verso Damon Albarn lhe chama uma “ballad for the good times”, a guitarra é um choro de notas que se vão estatelando no chão sem remédio. É como se um e outro cantassem, à sua maneira, uma amizade feita em fanicos e levada até ao insustentável ponto da ruptura. Imediatamente antes do colapso, olharam-se nos olhos aqui pela última vez. G.F.

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