A mais de 1200 milhas da terra, um helicóptero detectou algo a despontar do imenso oceano Pacífico. Ao aproximar-se e com a ajuda de uma pequena embarcação, foi possível perceber que o que despontava do oceano era um catamarã – lá dentro, estavam Timothy Shaddock e a sua cadela. O australiano diz que esteve cerca de três meses à deriva no oceano e conta que, durante esse período, sobreviveu, em parte, devido a peixe cru.
A saga de Timothy (ou apenas Tim) Shaddock começou há cerca de três meses – há alguns órgãos de comunicação social que falam em dois meses. Com 54 anos, começou a viagem no seu catamarã Aloha Toa, a partir da cidade de La Paz, no México, indica o jornal norte-americano The New York Times. Ia acompanhado pela sua cadela, Bella. O destino era a Polinésia Francesa.
A meio da viagem, no entanto, uma tempestade acabou por causar graves danos no catamarã, relata o site do canal 9News. Tim Shaddock e Bella ficaram à deriva no oceano Pacífico, contam vários meios de comunicação social internacionais.
Na última semana, um helicóptero ajudava na pesca do atum e detectou o catamarã, descreve o The New York Times. Após essa detecção, foi enviada uma traineira que estava a ser usada ali perto para a pesca de atum – a Maria Delia – para resgatar quem pudesse estar no catamarã. A bordo, lá estava o australiano com a barba por fazer e um pouco atordoado, descreve o mesmo jornal.
A empresa que possui a traineira – a Grupomar – notificou as autoridades do resgate. O Governo australiano disse, em comunicado, que o seu Departamento de Negócios Estrangeiros e Comércio “deu assistência consular a um homem australiano resgatado ao largo da costa do México”. O australiano foi examinado ainda na embarcação e desembarcou depois na cidade mexicana de Manzanillo, refere a agência de notícias Associated Press.
No início já desta semana, Tim Shaddock falou aos jornalistas sobre a sua saga no oceano Pacífico. “O cansaço foi a parte mais difícil”, disse no cais de Manzanillo, citado pelo The New York Times. “Tentava sempre encontrar a felicidade dentro de mim. E encontrei-a, muitas vezes, na solidão do oceano.”
Shaddock perdeu vários quilos nas últimas semanas e passou momentos de fome, refere o próprio. Conta que tinha “bons mantimentos” dentro do catamarã, mas que teve de pescar atum para sobreviver. A sua única companhia foi a cadela Bella, que adoptou no México. Como a tempestade danificou os instrumentos que tinha para cozinhar, acabaram por comer muito peixe cru. Beberam também água da chuva. “Durante algum tempo, estive em mau estado de saúde”, diz agora. “Não tive comida suficiente durante algum tempo.”
Como foi sobrevivendo?
Como é a nível nutricional estar durante cerca de três meses com esse tipo de alimentação? O médico Aníbal Marinho diz ao PÚBLICO que, a nível nutricional, Tim Shaddock ingeriu peixe, que é um alimento rico em proteínas de alta qualidade e ácidos gordos essenciais, como com alto teor em vitaminas, como a vitamina D e a vitamina B12, ou em minerais, como o cálcio e o ferro.
“Durante estes meses de restrição alimentar, possivelmente, perdeu uma grande quantidade de massa muscular devido ao défice de ingestão de hidratos de carbono que são o principal combustível celular, sendo que as proteínas que ingeria eram convertidas em energia para a manutenção dos órgãos vitais”, explica o presidente da Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica (APNEP). Aníbal Marinho diz que outro factor que pode ter contribuído para o “desfecho positivo deste caso” foi o facto de “já estar habituado a realizar dietas restritivas por ter antecedentes de doença oncológica intestinal”. O australiano explicou que teve cancro colorrectal e que come muitos vegetais crus, indica o The New York Times.
O médico destaca ainda outro aspecto: o australiano disse que tinha “bons mantimentos” no catamarã e Aníbal Marinho assinala que, depois de dois a três meses com uma restrição calórica excessiva, poderia até “correr o risco de ‘morrer da cura’, ou seja, de uma síndrome de realimentação” que ocorre quando doentes desnutridos são realimentados de forma repentina e não cuidada.
Quanto à sua recuperação, o médico refere que seria importante analisar a quantidade e qualidade da massa muscular e potenciar a sua recuperação, bem como identificar possíveis défices em micronutrientes. “A reintrodução alimentar deverá ser progressiva para se obterem melhores resultados clínicos”, nota. “Um suporte nutricional exagerado depois de um período de jejum prolongado poderá promover ao aparecimento de uma síndrome de realimentação, que em casos extremos pode levar à morte da pessoa.”
Há ainda alguns aspectos que Aníbal Marinho diz serem essenciais para se entender melhor esta história. O médico salienta que há órgãos de comunicação social que indicam que o australiano esteve dois meses à deriva e outros que falam em três meses. O médico diz que um mês pode fazer toda a diferença. Também assinala que Tim Shaddock se tinha preparado para uma grande viagem – mencionada pelo próprio – e que, portanto, teria bons mantimentos. Além disso, diz que falta saber se tinha água potável e em que quantidade no catamarã. Portanto, para si, há certos pormenores que têm de ser esclarecidos sobre esta história. Também não se sabe ao certo o seu historial clínico e nutricional.
A saga de Tim e Bella – pelo menos o resgate – não é única. A Associated Press relembra que, em 2016, um pescador da Colômbia ficou dois meses à deriva no oceano Pacífico. Acabou por ser resgatado a 2000 milhas (3220 quilómetros) da costa do Havai, mas três das pessoas que estavam na sua embarcação morreram. Em 2014, um pescador deu à costa no atol de Ebon, no Pacífico, depois de 13 meses à deriva no mar. Tinha partido do México para pescar tubarões.
Tim Shaddock diz que agora se sente bem: “Sinto-me bem melhor do que estava. [Houve] muitos, muitos, muitos dias maus, e muitos dias bons.” Kay Mattson, que também é marinheira, disse ao 9News que “o mais complicado deve ter sido a parte psicológica”. Tim Shaddock sente-se agora muito agradecido por tudo ter terminado bem: “Estou tão agradecido por estar vivo. Cheguei a pensar que não ia conseguir.”