Para onde vão os músicos do Stop? “O nosso foco tem de ser regressar”

O fecho de 105 salas do Stop deixou em suspenso bandas que não têm local para ensaiar ou guardar o material numa cidade onde os espaços estão cada vez mais caros (e longe do centro).

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Esta terça-feira, 105 salas do centro comercial Stop foram seladas a mando da Câmara Municipal do Porto Paulo Pimenta
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Henry Beck, dos The FAQs, e os amigos começaram a ensaiar numa sala em Valongo. Mas como nenhum tinha carta de condução e “ir para lá era um cabo dos trabalhos”, o vocalista de 28 anos acabou por ir dar ao Centro Comercial Stop, onde ensaia desde 2011. Em mais de dez anos, já passou por várias salas de ensaio, já tocou com vários músicos, mas nunca saiu do mesmo centro muito pouco comercial.

Esta terça-feira, 18 de Julho, Henry estava no escritório de arquitectura, onde trabalha, quando uns amigos lhe ligaram: “Olha, fecharam o nosso estúdio no Stop. As portas estão seladas e está lá a polícia.”

A sala onde os The FAQs ensaiam foi uma das 105 que a câmara do Porto mandou selar no Centro Comercial Stop. Sem aviso prévio, queixam-se os músicos. Em comunicado, a autarquia justificou a acção com a “falta de licenças de utilização para funcionamento”.

Nas 24 horas que se seguiram ao encerramento da grande maioria das lojas do Stop, entre as várias questões que se foram levantando o que vão fazer os músicos com concertos marcado? Quando podem recuperar o material? Como se conseguem as licenças? , houve uma que se levantou particularmente alto: para onde vão os mais de 400 músicos desalojados?

Andrés Malta, 34 anos, foi um dos artistas que viu o estúdio que usa apenas para uso pessoal encerrado. Considera-se um “caso especial” por ter um estúdio noutro local, embora tenha ficado sem sítio para “estudar, preparar concertos, tirar músicas, ensaiar, experimentar”.

“Não existe uma solução rápida para um problema tão grande”, considera o produtor. “Ainda por cima, com as dificuldades de renda que existem neste momento no Porto, não é qualquer pessoa que tem uma casa onde possa guardar uma bateria e um contrabaixo todos os dias.” Henrik Beck concorda: “A maior parte de nós vive aqui na cidade, em apartamentos muito pequenos. Não temos espaço para ter kits de bateria, amplificadores, PA (sistema de som), colunas gigantescas”.

O músico dos The FAQs relatou ainda o caso de um músico que conhece, que foi obrigado a tirar todo o material da sala de ensaios e a colocá-lo no interior do quarto: “Acabou a dormir em cima do material, numa caixa de PA [sistema de som].”

Para os músicos que passaram pelo centro comercial, não há nada sequer “parecido com o Stop”. Bruno Costa, da direcção da associação Alma, um dos colectivos de músicos do centro, prevê que o êxodo vá gerar uma “procura frenética por espaços alternativos”, como é o caso dos estúdios que podem ser alugados à hora. Uma solução que, admite, é “incrivelmente dispendiosa”.

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Outra alternativa, também olhada de lado, é a levantada pela Câmara Municipal do Porto, ainda no ano passado: o Silo Auto. “Simplesmente não é uma opção”, declara Bruno Costa. “Falaram em usar dois pisos em open space. Não dá para haver centenas de bandas em open space, vai ser uma cacofonia. Não faz sentido.”

Já esta quarta-feira, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, apresentou a Escola Pires de Lima como uma possível alternativa e mencionou a possibilidade de serem feitas obras nos dois pisos do Silo Auto que albergariam salas individuais para os artistas. A sala fica a cerca de 200 metros do centro comercial e, "até ao final do ano", deverá ficar vazia (os alunos vão para o renovado Liceu Alexandre Herculano). O autarca apontou a escola como a "hipótese mais viável", por ser próxima do Stop e por "resolver rapidamente" a questão.

Bruno Costa comentou a nova alternativa apresentada pela Câmara, mas referiu que lhe foi passada a informação de que esta está "ainda em piores condições do que o Stop" e não tem espaço para todos os músicos. Em 2018, a escola Pires de Lima foi encerrada por falta de condições. Ao longo das décadas, o estado de degradação avançado, com infiltrações nas salas e o piso levantado, tem sido uma queixa apontada frequentemente.

Questão das licenças foi quase “lotaria”

A sala utilizada pelos Lemon Lovers é uma das 21 que não foram seladas. Victor Butuc, baterista da banda, reconhece que teve “sorte de conhecer a senhoria e ter um contrato com ela”. Todos os meses, o músico vê o recibo de renda electrónico surgir na página das finanças. O caso, reconhece, é excepcional: “Atrevo-me a dizer que se calhar há muitos senhorios que nem sabem que o espaço está a ser alugado. Porque outros senhorios faleceram, deixaram a herança aos filhos e esses filhos nem estão cá [no Porto]”.

O produtor Andrés Malta também tem o pagamento das rendas em dia e conhece o proprietário da sala que utiliza. Mas a sua sala foi fechada. Segundo explicou ao PÚBLICO, “há uma falha de comunicação muito grande entre o proprietário do imóvel e a administração”. “Ele diz que já tentou muitas vezes contactar a administração do Stop sem sucesso. E no meio disto tudo, sou eu o lesado.”

Algumas das pessoas com as licenças em dia, conta Henrik Beck, nem sequer sabia que estava tudo dentro da legalidade. “Do que sei, a questão das licenças foi quase uma lotaria. Houve gente que conheço no Stop que disse ‘olha, pelos vistos a nossa sala estava licenciada e nós nem sabíamos”, conta.

Bruno Costa coloca a justificação das licenças na linha de passados problemas levantados pela autarquia, depois das alegadas queixas do ruído por moradores e das más condições de segurança. Desta vez, porém, “funcionou bem”. Ao sobrarem só 21 salas em funcionamento, o músico mostra dúvidas sobre o futuro do centro. “Provavelmente, ao fim de alguns meses não vai conseguir manter-se apenas com 21 rendas”, especula.

Stop ainda é a melhor (e única) opção

Mesmo obrigados a sair, os músicos continuam a fazer finca-pé. Afinal, nem a pandemia os expulsou, lembra o membro da direcção da Alma. Em 2020, remetidos às suas casas, os músicos do Stop continuaram a pagar as rendas das salas, para assegurarem que não as perdiam

Mas porquê a insistência com um edifício antigo e, alegadamente, com más condições de segurança? As justificações são várias, mas Jimmy (como é conhecido), vocalista dos Fugly, resume: “O Stop é um espaço seguro, com vigilância 24 horas, fechado, isolado e que possui uma grande comunidade de artistas que convive e se ajuda.”

Se alguém tiver uma avaria, algo partido ou uma emergência pré-concerto, tudo se resolve dentro das paredes do centro. “Sempre me safei dentro do Stop”, diz Vasco Reis dos Pledge e dos Verbian. Pelos três pisos do centro comercial inaugurado há mais de 30 anos criou várias ligações para lá da música: “A maior parte das amizades mais activas que tenho hoje em dia foram feitas através do Stop. As pessoas com quem estou mais regularmente são pessoas que frequentavam o centro”, confessa.

Bruno Costa, da Alma, ilustra o sentimento de Vasco: "No ano passado houve uma inundação na minha sala e surpreendeu-me agradavelmente a ajuda que recebi de outros músicos que tinham salas ao pé da minha e me ajudaram a retirar material."

A morte do Stop já foi manifestamente exagerada várias vezes, ao longo dos últimos anos. Não se sabe se o último episódio vai colocar o verdadeiro ponto final àquela que há quem chame “a verdadeira casa da música”. Só se sabe que o grande portão branco que tem estado, quase sempre, aberto, não vai cair pela última vez sem que os músicos o tentem evitar. Bruno Costa assegura-o. “O nosso principal foco tem de ser regressar lá. E temos de parar de ser assediados pela câmara municipal, simplesmente.”

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