Regresso da “polícia da moralidade” pode provocar “derrube” do regime iraniano
As “patrulhas de orientação” estão de volta, dez meses depois da morte de Mahsa Amini. Os avisos sobre as consequências da decisão chegam de críticos, mas também de membros da linha dura.
As carrinhas brancas da “polícia da moralidade” voltaram a ser visíveis nas ruas das cidades iranianas, numa altura em que se aproxima o primeiro aniversário da morte de Jina Mahsa Amini, a jovem curda de 22 anos que morreu depois de ser detida por uso incorrecto do hijab (véu islâmico, obrigatório no Irão). “Parece que o perigo de autodestruição, do qual já se falou muitas vezes, se coloca mais do que nunca, com o regresso da polícia da moralidade”, avisou o ex-Presidente Mohammad Khatami.
Surpreendido com a “imprudência dos principais responsáveis” da República Islâmica, Khatami considera que estes “métodos equivocados vão tornar a sociedade ainda mais tensa”, disse numa reunião com os seus conselheiros, citada esta terça-feira pela emissora Iran International, sediada em Washington.
O religioso que esteve na presidência durante oito anos (1997-2005) e tentou pôr em prática algumas reformas e projectar uma imagem de um Irão mais aberto à mudança e ao mundo não foi o único a criticar a decisão do regime e a alertar para as possíveis consequências. Moinuddun Saeedi, membro do Parlamento iraniano, referiu-se à medida como “muito estranha”. “Já vimos os resultados destas patrulhas e os seus danos em Setembro último”, afirmou.
Akbar Nabani, um activista conservador, lamentou no Twitter o poder daquelas que descreve como “responsáveis estúpidos”, que ignoram as lições do passado, e afirmou-se preocupado com a possibilidade de esta decisão poder mergulhar o país no caos. “Deus tenha piedade deste país”, escreveu.
A notícia chegou no domingo, exactamente dez meses depois da morte de Amini, a 16 de Setembro. O primeiro protesto começou um dia depois, no seu enterro, e a contestação que se seguiu foi descrita por muitos activistas dos direitos humanos e académicos como uma “revolução social”. O fim da polícia dos costumes, e das suas “patrulhas de orientação”, chegou a ser anunciado, em Dezembro, mas os iranianos e as iranianas que combatem o regime nunca acreditaram. Nos últimos dias multiplicaram-se nas redes sociais as imagens de mulheres a serem interpeladas e levadas para o interior de carrinhas brancas.
Entretanto, cada vez mais iranianas deixaram de cobrir os cabelos, mas os protestos quase desapareceram, à medida que as autoridades mostravam a sua mão pesada: desde Novembro de 2022, segundo as Nações Unidas, “pelo menos 26 pessoas foram condenadas à morte em relação com os protestos e várias dezenas foram acusadas com crimes que podem ser punidos com a pena de morte”, ao mesmo tempo que “sete homens já foram executados depois de julgamentos marcados por alegações graves de violações, incluindo confissões sob tortura”.
A actual “polícia da moralidade” só surgiu oficialmente em 2005 e terá muitos milhares de membros – antes, tinha havido outras versões de polícia de costumes. Entre Março de 2013 e Março de 2014, segundo um porta-voz, estes agentes notificaram mais de dois milhões de mulheres por uso incorrecto do hijab – o chamado “mau hijab”, usado solto e com alguns cabelos à mostra – e detiveram 207 mil iranianas.
Durante a presidência de Hassan Rouhani, considerado reformista, as normas de vestuário foram-se tornando cada vez mais descontraídas e as restrições foram aligeiradas. Mas em Julho de 2022, o actual Presidente, Ebrahim Raisi, um protegido do ditador, o líder supremo, ayatollah Ali Khamenei, eleito no mês anterior, apelava à mobilização de “todas as instituições do Estado para impor as leis do hijab”.