Jovens advogados russos avançam para defender manifestantes antiguerra
A invasão da Ucrânia levou a protestos antiguerra na Rússia e a manifestantes detidos pelas autoridades. Um grupo de advogados, o OVD-Info, procura ajudar aqueles que se opõem à guerra.
Sofia Gominova queria ser advogada desde os 11 anos. Nasceu depois da queda da União Soviética, cresceu numa Rússia infestada de crime organizado e assistia a dramas policiais na televisão, a desejar “lutar contra o mal como eles faziam”.
Fazendo parte de um grupo de jovens advogados indignados pela supressão da dissidência, juntou-se ao OVD-Info, um dos maiores grupos de defesa dos direitos civis da Rússia que ajuda milhares de manifestantes detidos por se oporem à invasão da Ucrânia.
“Sempre tive um intenso sentido de justiça”, disse Gominova a um repórter da Reuters. “Percebi que muita da injustiça é criada pelas mãos do sistema… que viola os direitos dos cidadãos, prende-os ilegalmente, causa dano físico e emite decretos e decisões absurdas”, explicou.
À medida que os protestos contra a invasão do ano passado eclodiram, Gominova viu-se a si própria a esperar horas ao frio em São Petersburgo para conseguir entrar no tribunal, e então avançar de sala em sala enquanto dezenas de casos de manifestantes eram processados. Ao chegar a casa exausta, começava a trabalhar nos recursos. “Defender manifestantes em tribunal é a minha versão de protesto”, resume.
As autoridades russas dizem que estão a aplicar a lei legitimamente contra desordeiros encorajados pelo Ocidente a destruir a sua nação. Negam o abuso de detidos e têm por vezes apresentado advogados dos direitos humanos como inimigos públicos. Defender críticos do Kremlin vem com riscos consideráveis numa Rússia em tempo de guerra, onde até crianças e pensionistas são punidos por discordarem com a guerra.
Alguns advogados foram perseguidos por se mostrarem contra a invasão, dezenas ficaram sem licenças e vários advogados proeminentes fugiram do país. Apesar dos riscos, 120 advogados juntaram-se ao OVD-Info desde a invasão – três vezes o número dos que saíram da Rússia – alcançado os 442, de acordo com Violetta Fitsner, uma advogada e porta-voz do grupo.
Com diversos grupos de sociedade civil a serem dissolvidos pelo estado, muitos outros advogados também defendem activistas antiguerra de forma independente, mas é difícil determinar quantos.
Algumas absolvições
Absolvições em tribunais russos são extremamente raras e críticos dizem que o sistema de justiça do país é extremamente politizado. Contudo, advogados têm um papel importante em divulgar a repressão, e a OVD-Info viu quase 20 mil pessoas detidas por activismo antiguerra desde Fevereiro do ano passado.
O ministro do Interior da Rússia não respondeu ao pedido de comentário sobre as detenções. Quando questionado sobre a independência do tribunal, o departamento judicial do Supremo Tribunal disse que “os juízes são independentes e sujeitam-se apenas à Constituição da Federação Russa e à lei”.
Em Abril, Vladimir Kara-Murza foi sentenciado a 25 anos de prisão por traição depois de ter criticado a liderança russa e a guerra na Ucrânia. Das penas aplicadas neste sentido desde Fevereiro de 2022, a sua foi a mais dura. Os advogados são por vezes o último canal de comunicação que os manifestantes têm durante julgamentos longos que são feitos de portas fechadas. “Os advogados continuam a ser as suas vozes, trazendo informação das prisões e sendo a conexão destes prisioneiros ao mundo exterior”, contou Evgenia Kara-Murza, mulher de Vladimir.
O advogado e amigo de longa data do marido, Vadim Prokhorov – crítico de Putin –, fugiu da Rússia dias antes da sentença do cliente ser anunciada por medo de também enfrentar um processo penal. “Neste momento na Rússia está a ser ordenado um ataque não só contra jornalistas, mas também contra advogados”, revelou Prokhorov à emissora norte-americana, Voice of America, depois de ter saído da Rússia, acrescentando que vários dos seus colegas já tinham sido detidos.
Muitos advogados russos atraíram atenção – e condenação – de autoridades, não só por defenderem críticos à invasão, mas também por expressarem a própria oposição.
Protestos na neve
Dmitry Talantov, cujo cliente anterior era o jornalista Ivan Safronov, que está a cumprir uma sentença de 22 anos por traição, vai enfrentar dez anos de prisão depois de publicar no Facebook que as forças russas estavam a levar a cabo “práticas nazis extremas”.
Maria Bontsler, que trabalhou com o OVD-Info, foi multada duas vezes no ano passado por “difamar o exército” depois de ter dito a palavra “guerra” em tribunal enquanto defendia protestantes antiguerra.
E Anastasia Rudenko, uma advogada em Ivanovo, uma cidade a norte de Moscovo, foi multada em 30 mil rublos (355 dólares) em Junho por “difamar o exército” nos vídeos publicados no seu canal de Telegram chamado “Não é tão assustador com um advogado”. A advogada usa o canal para informar cerca de 400 subscritores sobre os casos em que trabalha, que incluem um processo criminal contra um soldado ferido na Ucrânia que se recusa a voltar ao serviço.
Rudenko, que tem família na Ucrânia, mas cujo marido e irmão são ambos soldados nas forças armadas russas, frequentou algumas manifestações antiguerra e entregou cópias de 1984, a obra distópica e antiautoritária de George Orwell, a quem passava. “O estado tem a própria opinião e o seu ponto de vista. Nós temos de manter as nossas opiniões para nós próprios”, disse à Reuters.
Rudenko não revela explicitamente a sua visão da guerra nos seus vídeos e disse ter ficado surpreendida quando este ano as autoridades lançaram uma avaliação do seu canal como conteúdo antiguerra. “Porque é que eles estão a fazer isto? Eu acho que é para mostrar que: somos poderosos, vamos destruir-te”, afirmou. “Bom, venham, destruam-me.”
Em entrevistas, alguns jovens advogados com menos anos de experiência no sistema de justiça russo dizem que estavam determinados a representar quem discordava com a guerra, mas descobriram que o trabalho era fatigante.
Yuri Mikhailov, um advogado de defesa de 25 anos da região de Moscovo, juntou-se ao OVD-Info em Março do ano passado. A maioria dos seus clientes foram presos por pequenos actos de protesto, como um homem que escreveu “365 NO” na neve num parque de Moscovo no aniversário do primeiro ano de invasão.
Mas Mikhailov também defendeu cidadãos comuns “que estavam a seguir com a própria vida” em espaços públicos e que foram presos por estarem no lugar errado à hora errada. “Eu posso argumentar persuasivamente a um juiz que dois mais dois são quatro – e ele pode até acenar com a cabeça. Mas no fim ele decide que dois mais dois são cinco.”
Antes do conflito na Ucrânia, Gominova trabalhou principalmente em casos civis em São Petersburgo, que variavam entre disputas familiares e direitos de consumidor. Enquanto alguns conhecidos a consideram uma traidora, a maioria dos amigos e familiares estão orgulhosos, apesar de preocupados.
“Por vezes saio do tribunal com tanta raiva que sinto a vontade de continuar a lutar aumentar. Outras vezes, fecho a porta e lágrimas caem pela impotência”, disse. “Enquanto tiver força em mim, vou manter-me na Rússia”, concluiu.