Metade dos “filhos dos bairros” lisboetas já nasceu e completou o secundário ali
Novo estudo sobre os bairros municipais em Lisboa concluiu que o Programa Especial de Realojamento teve um impacto positivo nos moradores. Há uma “tendência de integração” e “bairrismo positivo”.
Os “filhos dos bairros” do Programa Especial de Realojamento têm mais formação, autonomizaram-se das famílias e integraram o mercado de trabalho. E, embora continue a existir trabalho por fazer, o caminho até agora seguido é positivo, considera a Gebalis.
Essa é a conclusão a que a empresa responsável pela gestão patrimonial e financeira de 66 bairros municipais de Lisboa chegou com o estudo Os Filhos dos Bairros Municipais, encomendado ao Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica Portuguesa para “perceber quem são os moradores dos bairros municipais em Lisboa, como a vida no bairro influenciou a sua vivência” e, por outro lado, “olhar para a percepção dos lisboetas sobre a existência de bairros municipais” e a forma como funcionam.
A empresa determinou que metade dos “filhos dos bairros municipais” de Lisboa maiores de idade já ali nasceu e completou o ensino secundário. Um quarto (25%) dos que já não moram com os pais tem casa própria noutro local, segundo um estudo apresentado esta sexta-feira.
De acordo com o relatório do estudo, elaborado por Ricardo F. Reis e Rute Xavier e a que a agência Lusa teve acesso, quase 70% dos inquiridos vivem há mais de 20 anos no bairro e apenas 10% se mudaram há menos de cinco anos.
Os habitantes dos bairros municipais de Lisboa são geralmente “famílias não-alargadas” — 53% vivem com os filhos e 40% com o companheiro — e 23% vivem sozinhos. Nos casos das famílias mais alargadas, 10% vivem com os netos. Em mais de metade dos agregados, apenas uma pessoa contribui para o rendimento familiar e em 36% das famílias há duas pessoas que contribuem.
Em 30% das habitações moram apenas duas pessoas, enquanto em 22% vivem três. Os agregados maiores, com mais de sete pessoas, são principalmente famílias com várias crianças, sendo que “a dimensão média das famílias nos bairros da amostra é de 2,7 pessoas” (2,5 em Portugal e 2,2 em Lisboa, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística).
“Tendência de integração com bairros adjacentes”
Para a elaboração do estudo foram realizados dois questionários, um dos quais teve como universo alvo residentes em bairros municipais, com mais de 18 anos, tendo sido inquiridas 1000 pessoas. O segundo inquérito dirigiu-se a residentes em Lisboa, com mais de 18 anos, seleccionados aleatoriamente, tendo respondido 865 pessoas.
Os resultados revelaram que cerca de um quarto dos agregados tem filhos menores, dos quais 71% já nasceram no bairro e quase metade frequenta a escola aí existente — o que, para os autores do estudo, “parece revelador da tendência de integração com bairros adjacentes”.
Mais de 70% das famílias inquiridas disseram ter filhos maiores de idade, dos quais a maioria já nasceu no bairro. Dos filhos maiores, 16% completaram o ensino superior (acima da geração dos pais, cuja percentagem é de 5%) e 51% terminaram o ensino secundário (a percentagem é de 17% no casos dos titulares do contrato da habitação). Apenas 8% têm o 1.º ou 2.º ciclos, percentagem que sobe para 51% no caso dos pais.
Dos filhos maiores, 42% continuam a morar em casa dos pais, 25% têm casa própria fora do bairro e 14% arrendaram uma habitação noutro local. Apenas 6% continuam no mesmo bairro municipal — ainda que noutra casa — e 4% permanecem em habitações municipais, mas mudaram de bairro. Os que saíram do país equivalem a 8%.
Quase 70% dos filhos maiores trabalham por conta de outrem, enquanto 29% não estão a trabalhar e 4% optaram por trabalhar por conta própria.
Relativamente à casa e ao bairro, “de um modo geral, os moradores têm um grau elevado de satisfação”, com 84% a responderem que “gostam” da habitação e 69% a revelarem que “gostam” do bairro. A localização do bairro na cidade e a rede de transportes são as características positivas mais destacadas e apenas 29% ponderaram alguma vez mudar de casa.
Em declarações à Lusa a propósito do estudo, Gonçalo Sampaio, administrador executivo da Gebalis, explica que o enquadramento do trabalho teve que ver com a comemoração dos 30 anos do PER, criado por decreto-lei em Maio de 1993 e que tinha como objectivo primordial acabar com as denominadas “barracas”.
“No fundo, passados 30 anos, perceber se o programa cumpriu os objectivos que tinha”, sumariza: “Apesar de ser um programa vocacionado para dar habitação digna a quem não a tinha na altura, nomeadamente na Área Metropolitana de Lisboa, ligava muito à questão do combate à pobreza. E via na habitação uma ferramenta para promover o elevador social daquelas famílias”, lembra.
“Carinhosamente, tratávamos o projecto como ‘projecto Os Filhos dos Bairros’. No fundo, era esse o objectivo, ver onde estavam os filhos dos bairros realojados. Podemos chegar à conclusão de que estes filhos dos bairros têm mais estudos, têm mais formação. Na sua grande maioria, conseguiram autonomizar-se das famílias e integrarem-se no mercado de trabalho”, conta, salientando que “a população, em termos de ensino superior, triplicou para aquela que existia quando o PER foi lançado”, o que representa “um dado extraordinário que demonstra que há mais educação”.
Obras são o principal factor de insatisfação
De acordo com o inquérito, e em relação ao trabalho da Gebalis, os factores de maior insatisfação são as obras de manutenção das habitações (52%) e dos equipamentos comuns (44%). A cobrança de rendas (65%) e o atendimento presencial no gabinete de bairro (53%) são os factores de maior satisfação.
Além do inquérito a moradores dos bairros, o estudo teve por base um questionário a residentes na cidade, tendo mais de 77% dos inquiridos respondido que conhecem ou já ouviram falar dos bairros municipais. No entanto, referem os autores do estudo, “o conhecimento ou identificação do bairro municipal parece difusa”, já que a maioria “não sabe identificar nenhum bairro municipal que conheça e, mesmo identificando, essas identificações são zonas da cidade”. “Esse conhecimento difuso pode indiciar a integração dos bairros municipais no dia-a-dia dos lisboetas”, escrevem.
Sobre a criação de mais bairros municipais, 29% dos inquiridos consideram que “os apoios habitacionais deveriam ser localizados no centro da cidade, aproveitando o edificado já existente”, enquanto uma percentagem igual defende “outras medidas de apoio à habitação” e 23% dizem preferir “casas integradas nos bairros da cidade”.
Quanto ao tipo de agregados que vivem nos bairros municipais, “os lisboetas têm a percepção de que os habitantes das casas de bairros municipais são maioritariamente (50%) famílias com vários núcleos, por contraste ao questionário de moradores, que revelou que 73% dos agregados têm até três pessoas”, lê-se no relatório do estudo.
Os lisboetas têm ainda a percepção de que quem mora nos bairros municipais são maioritariamente famílias economicamente vulneráveis (53%) e beneficiárias de prestações sociais (26%).
Relativamente à possibilidade de ter um prédio de habitação municipal no bairro onde vivem, 55% dos lisboetas inquiridos dizem concordar e 59% também são favoráveis a que os filhos frequentem uma escola num bairro municipal. Quase 70% entendem que a existência de bairros municipais contribui para “a melhoria das condições de vida de uma parte da população” e 60% consideram que contribuem para que “os habitantes melhorem as oportunidades económicas e sociais a médio e longo prazo”.
Estudo fala de “sentimento de bairrismo positivo”
Gonçalo Sampaio reconhece que “o estudo também apresenta sinais de que há trabalho para fazer, que não está tudo feito”, embora insista em que “o caminho que foi seguido até agora é um caminho positivo e de integração”. Por isso, defende, o foco agora tem de ser naqueles que “ainda não estão satisfeitos, que ainda não se sentem incluídos”.
“Na Gebalis, olhamos para este estudo como um instrumento de trabalho futuro. Ou seja, com base neste estudo vamos agora perceber por onde é que devemos afinar a nossa intervenção e onde nos devemos colocar, nomeadamente ao nível da intervenção comunitária e de proximidade com estas comunidades, orientar a nossa actuação futura”, afirma, lembrando que a empresa não tem apenas a responsabilidade de manutenção do edificado, mas também tem como missão promover a inclusão, desenvolvimento e integração das comunidades dos bairros municipais.
Dos dados fornecidos pelo estudo, o responsável destaca que 70% dos mil inquiridos que vivem em bairros municipais referiram ter “gosto no bairro em que vivem”, demonstrando “um sentimento de bairrismo no sentido positivo”. “Temos que potenciar essa capacidade”, sustenta, assegurando que outro problema que irá merecer a atenção e investimento da Gebalis será a insatisfação demonstrada por mais de 30% dos inquiridos com o edificado.
Além destes dados directamente relacionados com os moradores dos bairros municipais, Gonçalo Sampaio realça o facto de o estudo permitir avaliar como é que a população que vive em Lisboa olha para essas áreas, sendo que a maioria dos mais de 850 residentes na capital inquiridos não soube identificar nenhum bairro municipal que conheça e, mesmo identificando, referiu apenas zonas da cidade.
“Isso é um bom sinal, quer dizer que eles estão integrados não só do ponto de vista da arquitectura, mas da comunidade. Mas também o facto de haver uma boa imagem da população sobre os bairros municipais e sobre as suas comunidades”, considera o administrador executivo, recordando que existem 66 bairros municipais em Lisboa, cerca de 22 mil habitações e mais de 60 mil pessoas.
Ou seja, argumenta o responsável, não se trata “propriamente de uma realidade insignificante do ponto de vista quantitativo” — representa quase 10% da população de Lisboa —, “mas que está na sua grande maioria bem integrada e bem espalhada pela cidade”.
Relativamente às soluções seguidas há 30 anos pelo PER e a realidade actual, Gonçalo Sampaio considera que na década de 1990 a construção foi muito condicionada pela urgência de uma resposta para o fim das barracas e pela quantidade de fogos necessários. “Hoje em dia, a opção é mais por uma construção mais dispersa e facilitando ainda mais essa questão da integração”, relata, admitindo, contudo, que continua a existir um conjunto de desafios em Lisboa que “compete à empresa e à câmara municipal enfrentar e dar resposta”.