Perdão da Jornada Mundial da Juventude: Rui Pinto pode beneficiar de amnistia em 216 crimes

Jovem que planeou atacar faculdade e hacker Zambrius na calha para perdão de pena. PS rejeita perdão acima dos 30 anos, apenas admitindo mexer nas multas.

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Rui Pinto foi detido em Março de 2019 na Hungria Reuters/BALAZS HATLACZKI
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Mais de 80 dos crimes pelos quais Rui Pinto está a ser julgado no processo Football Leaks podem vir a ser amnistiados. Em causa está o facto de o pirata informático poder beneficiar do regime de amnistia e perdão de penas aplicável aos delitos praticados por jovens entre os 16 e os 30 anos até às 00h00 do dia 19 de Junho de 2023, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, evento que terá início no próximo dia 1 de Agosto e que conta com a presença do Papa Francisco.

Por causa disso, a leitura do acórdão do Football Leaks, marcada para esta quinta-feira, foi adiada, informou o Conselho Superior da Magistratura em comunicado. O julgamento teve início em Setembro de 2020, arrastando-se há quase três anos. Além da maioria dos crimes que constam deste processo, Rui Pinto deverá ver amnistiados outros 134 delitos apurados num novo inquérito no qual foi recentemente acusado. Ao todo estamos a falar de um perdão de 216 crimes.

De acordo com o despacho da juíza Margarida Alves, que preside ao colectivo que está a julgar o hacker, atendendo à sua idade à data da prática dos factos, Rui Pinto encontra-se abrangido pelo âmbito de aplicação do perdão, cuja respectiva lei ainda não está publicada. Mas pelo que dela se sabe, explica a magistrada, prevê-se que venham a ser amnistiadas todas as infracções penais cuja moldura penal não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa. Ficam de fora desta amnistia os crimes de extorsão e do foro da cibercriminalidade, pelos quais o pirata informático também responde.

“Constata-se, assim, que se encontra iminente a entrada em vigor de uma lei que irá colidir com a apreciação que cumpre fazer da responsabilidade criminal do arguido Rui Pinto relativamente a alguns dos crimes pelos quais se encontra pronunciado nos presentes autos, nomeadamente o crime de violação de correspondência e o crime de acesso indevido que, nas suas formas simples, são punidos precisamente com uma pena de prisão até um ano ou com pena de multa”, escreve a juíza. Dos 90 crimes pelos quais o pirata informático está acusado, 68 são de acesso indevido e 14 de violação de correspondência. Sobram oito que podem eventualmente vir ainda a ser alvo de punição: acesso ilegítimo, sabotagem informática e tentativa de extorsão, sendo este último o mais grave de todos, com uma moldura penal até cinco anos de cadeia.

A alegada actividade criminal de Rui Pinto terá sido realizada maioritariamente na Hungria, com início de denúncias no ano de 2015. Tinha, à altura, apenas 26 anos, bem abaixo do limite de 30 estipulado para esta amnistia. Mas só em 2019 seria detido, no âmbito do cumprimento de um mandado de detenção europeu. Ainda assim, pelo facto de estar dentro deste intervalo etário no momento em que os factos ocorreram, aplica-se esta amnistia.

O pirata informático admitiu em tribunal em Outubro passado ter tentado extorquir dinheiro ao fundo de investimento Doyen, entidade ligada ao mundo do futebol e à venda de passes de jogadores. Em troca de um pagamento por alegada consultoria informática – chegou a reclamar entre meio milhão e um milhão, verba que mais tarde faria descer para os 125 mil euros pagos ao longo de cinco anos –, o hacker comprometeu-se a parar de divulgar online documentos confidenciais e comprometedores para o fundo de investimento. Acabou, porém, por desistir do negócio.

"Mostrar-se-ia inútil e contrário à estabilidade inerente às decisões judiciais a prolação de um acórdão que de seguida, dias depois, pudesse ter que vir a ser alterado, mediante marcação de audiência para eventual reformulação de cúmulo jurídico, por conta de uma eventual extinção da responsabilidade criminal do arguido relativamente a alguns crimes”, explica a juíza Margarida Alves.

No final da passada semana Rui Pinto foi acusado de mais 377 crimes num novo inquérito em que é acusado de se ter infiltrado no sistema informático ou nas caixas de correio electrónico do Benfica, da Autoridade Tributária, de magistrados, jornalista e até da Igreja Universal do Reino de Deus. Sendo 134 destes delitos de violação de correspondência na forma simples, o advogado especializado em Direito Penal Melo Alves não tem dúvidas: "Estes crimes serão igualmente abrangidos pela amnistia", caso a proposta de lei que ainda está em discussão no Parlamento mantenha o seu formato original.

Desde Abril de 2020 que o hacker é testemunha protegida, depois de ter aceitado partilhar com as autoridades a informação recolhida e de colaborar no tratamento da mesma.

Decisão judicial adiada para 31 de Julho

A leitura de acórdão de Rui Pinto foi adiada para o próximo dia 31 de Julho de 2023, pelas 14h30, caso a lei da amnistia entre em vigor até ao dia 28 de Julho de 2023. Se tal não suceder, Rui Pinto conhecerá o seu destino só a 11 de Setembro próximo.

A lei da amnistia e do perdão de penas tem levantado dúvidas de constitucionalidade entre vários especialistas. Em causa está o facto de serem apenas amnistiadas ou verem as suas penas perdoadas as pessoas com menos de 30 anos, o que pode configurar uma discriminação em função da idade e, por essa via, uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República. O Governo justifica a definição dos 30 anos por ser a idade-limite da Jornada Mundial de Juventude, considerando que se “justifica moldar as medidas de clemência a adoptar à realidade humana a que a mesma se destina”.

Esse aspecto é criticado por constitucionalistas como Jorge Bacelar Gouveia, Teresa Violante ou Paulo Otero, e está também sublinhado pelo parecer do Ministério Público enviado à Assembleia da República e até mesmo na nota de admissibilidade elaborada pelos serviços jurídicos do Parlamento. Esta última mereceu um despacho do presidente da Assembleia da República, no qual Augusto Santos Silva chama a atenção para as “observações” ali contidas, sublinhando que “devem ser consideradas no decurso do processo legislativo".

O Ministério Público considera que a proposta do Governo “cria uma efectiva diferenciação entre as pessoas penalmente imputáveis em função da idade à data da prática de um facto ilícito típico, ainda que o tipo de ilícito cometido tenha sido o mesmo”.

“A proposta de lei não contém outro fundamento que legitime a sua aplicação e abrangência a uma concreta faixa etária da população, podendo consubstanciar uma fracturante divisão social e eventual discriminação em razão da idade”, lê-se no seu parecer, que por isso recomenda “uma aturada e aprofundada reflexão sobre a sua eventual conformidade” com o princípio da igualdade.

No entanto, o Partido Socialista não irá alterar o limite de idade na versão final da lei, que será discutida esta quarta-feira na especialidade, apurou o PÚBLICO. Os socialistas recusarão assim a proposta do PSD de alargar a amnistia a toda a gente, admitindo apenas alterar o âmbito de aplicação no perdão de penas das contra-ordenações, o que poderá abranger as multas de trânsito.

Os sociais-democratas pretendiam pôr fim ao limite de idade e aumentar a lista de excepções dos perdões. Para o PSD, não devem ter direito a amnistia os condenados por tráfico de órgãos humanos, contrafacção de moeda, corrupção de substâncias alimentares, fraude na obtenção de subsídio, crimes fiscais e contra a Segurança Social e ainda crimes contra a segurança do Estado. Já a IL quer que sejam amnistiados todos os condenados por contra-ordenações até mil euros, sem limite de idade.

Atacante da Faculdade de Ciências e Zambrius abrangidos

Igualmente abrangido por estas medidas de clemência - já não pela amnistia, mas sim pelo perdão de pena - deverá ser o estudante que planeou um ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, João Carreira. A justiça absolveu-o do crime de terrorismo de que estava acusado, sentenciando-o apenas a dois anos e nove meses de internamento clínico por posse de arma proibida. O seu advogado, Jorge Pracana, está a contar com isso: "João Carreira já cumpriu 19 meses de internamento no hospital-prisão de Caxias. Se a lei for publicada nos termos em que foi anunciada, será retirado um ano à sua pena e o jovem poderá ser solto de imediato, para ficar em liberdade condicional".

Também Tomás Pedroso, o jovem de 22 anos, conhecido por Zambrius, que foi condenado, em Janeiro de 2022, a seis anos de prisão por hackear o Benfica e a Altice, pode também beneficiar de um perdão de pena.

Zambrius que actualmente está em liberdade a aguardar a decisão do recurso da decisão condenatória no Tribunal da Relação de Lisboa, foi condenado por um total de 28 crimes, 14 de acesso ilegítimo, seis de dano informático, seis de desvio de dados, um de ofensa a pessoa colectiva e outro de acesso indevido. Abrangidos pelo perdão só estarão os crimes de acesso indevido, de ofensa a pessoa colectiva e de desvio de dados, num total de oito.

O advogado Pedro Esteves que representa Tomás Pedroso confirmou ao PÚBLICO a possibilidade do seu cliente beneficiar desta amnistia. “Teremos de aguardar a versão final da lei. Se nada for alterado estou convicto que os juízes desembargadores terão isso em conta”, afirmou. Já David Silva Ramalho, o advogado que acompanhou o julgamento em representação do Sport Lisboa e Benfica, não prestou declarações”. com S.J.A.

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