Famílias amortizaram 3,7 mil milhões de crédito à habitação este ano
O montante de crédito amortizado antecipadamente está a aumentar este ano, numa altura em que a subida das taxas de juro está a encarecer os empréstimos, adianta o Banco de Portugal.
As famílias amortizaram antecipadamente, no conjunto dos primeiros cinco meses deste ano, um montante total de 3,7 mil milhões de euros de crédito à habitação, um aumento de quase 70% em igual período do ano passado. Este é um factor que está a contribuir para a fuga de depósitos dos bancos portugueses, mas o regulador insiste na solidez do sistema.
Os dados foram adiantados por Clara Raposo, vice-governadora do Banco de Portugal (BdP), em entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1. De acordo com a responsável, entre Janeiro e Maio deste ano, as famílias com crédito à habitação amortizaram antecipadamente 3,7 mil milhões de euros dos seus empréstimos, mais 1,5 mil milhões (ou um aumento superior a 68% em relação a mesmo período do ano passado).
Este montante contribuiu para a redução superior a oito mil milhões de euros que os bancos sofreram nos depósitos no período de Janeiro a Maio, um fenómeno maioritariamente explicado pela transferência de uma parte significativa das poupanças das famílias para produtos mais rentáveis do que os tradicionais depósitos a prazo, particularmente para Certificados de Aforro. O regulador continua, ainda assim, a não dar sinais de preocupação.
“Os bancos portugueses, neste momento, têm uma situação de liquidez bastante confortável e os Certificados de Aforro trouxeram taxas bastante atractivas para quem teve capacidade de poupança”, diz Clara Raposo na mesma entrevista, sublinhando ainda que vê “margem” para que a banca aumente a remuneração dada aos depositantes.
“Vejo alguma margem para os bancos terem algum progresso na subida das taxas dos depósitos. Neste último mês, olhando para o valor da taxa de depósitos, houve uma subida de cerca de 25 pontos-base, em média”, refere, reconhecendo que “os bancos portugueses têm sido mais lentos na subida das taxas dos depósitos do que aquilo que encontramos em outros países da Europa”.
Quanto a um possível aumento do risco de incumprimento de crédito por parte das famílias, numa altura em que a subida das taxas de juro tem encarecido o crédito e a inflação elevada tem levado a uma perda do rendimento disponível, acrescenta a vice-governadora do BdP, não há ainda dados concretos que permitam antecipar um agravamento do cenário, mas também não há, para já, sinais de preocupação “quanto a incumprimentos ou dificuldades”.
Taxa de esforço revista este ano
Na mesma entrevista, a vice-governadora adiantou, ainda, que o BdP vai rever a recomendação macroprudencial, introduzida em 2018, que definiu alguns critérios que os bancos têm de seguir para a concessão de crédito à habitação. Na prática, até ao final deste ano, os novos créditos deverão passar a contar com novos limites à taxa de esforço.
Adoptada em 2018, a recomendação macroprudencial do BdP veio limitar os rácios de “debt service-to-income” (DSTI, ou, na prática, a taxa de esforço de quem contrai um empréstimo) e de “loan-to-value” (LTV, que mede a relação entre o valor do imóvel e o valor do empréstimo), bem como a duração dos contratos. Na altura, recorde-se, foi também determinado que os bancos testassem a capacidade das famílias que queiram crédito à habitação para resistir a uma subida das taxas de juro superior a três pontos percentuais. Desde então, tem concluído o regulador nos vários relatórios de acompanhamento desta recomendação, o perfil de risco das famílias com crédito à habitação tem melhorado continuamente, com uma queda acentuada da percentagem de crédito concedido a mutuários de risco elevado.
Agora, o regulador prepara-se para rever essa recomendação até ao final deste ano, que deverá passar pelo ajustamento dos limites à taxa de esforço das famílias que venham a contrair novos créditos, tendo em conta que os juros já ultrapassaram o cenário que estava a ser testado. “Faz sentido revermos a recomendação macroprudencial. Estamos a olhar no sentido de vermos se baixa um pouco o choque extra. Quando, em 2018, se considerava mais [três pontos percentuais] sobre a taxa de juro, estávamos com taxas de juro muito baixas. A verdade é que subiram [quatro pontos percentuais] neste último ano”, diz Clara Raposo, acrescentando que a revisão se vai aplicar a novos créditos.