Ailton Krenak na Culturgest para “adiar o fim do mundo”
O autor de Futuro Ancestral traz esta terça-feira a Lisboa o seu pensamento crítico sobre o modo como habitamos a Terra. Temos de ver o saber ancestral como “criação poética do futuro”, diz.
O líder e pensador indígena brasileiro Ailton Krenak dá esta terça-feira uma conferência na Culturgest, no âmbito do festival Inside Out. Intitulada Futuro Ancestral: Conversa para adiar o fim do mundo, junta os títulos de dois dos seus livros, Ideias para adiar o fim do mundo (2019) e o mais recente Futuro Ancestral (2022).
“O pensamento de Ailton Krenak é um pensamento intempestivo, no sentido de transcender qualquer ideia de contemporaneidade, qualquer fixação no molde das actualidades intransigentes do nosso tempo”, afirma Dirk Michael Hennrich, que será o moderador da conversa e é o responsável, juntamente com o documentarista e editor brasileiro Silvio Cordeiro e com a programadora Liliana Coutinho, da Culturgest, por este encontro, que resulta de um convite da trienal Antropocénica, através do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.
“O seu pensar passa por dentro da filosofia ocidental para expor as suas vísceras, aplicando uma crítica imanente e que parte de uma visão completamente diversa dos conceitos estabelecidos na civilização ocidental, incluindo todas as suas reproduções espalhadas pelo globo inteiro”, explica o investigador alemão do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, que se especializou na área da Filosofia da Natureza e do Ambiente.
Ailton Krenak “aponta à iminência de uma reviravolta radical na forma como construímos, habitamos e criamos a Terra e a vida em geral”. A relação que mantemos com a Natureza, com os rios, “espelha a decadência de uma assim chamada 'cultura de resíduos e esgotos' e a nossa sobrevalorização da 'cidadania', completamente cega para abarcar as paisagens e ignorando violentamente a 'florestania', as vidas que vivem na e da floresta”.
O pensador indígena levará para o debate a ideia de ancestralidade, defendendo que é nela que deve assentar o futuro. “A ancestralidade é um saber universal que pode e deve fazer uma parte fundamental da pedagogia”, prossegue Dirk Michael Hennrich. “Uma iniciação numa vida na qual as crianças ensinam os adultos, porque estão mais perto das fontes ancestrais. Essa educação seria por isso nada mais do que uma orientação, isto é a indicação de um caminho que passa pela paisagem e pelo ócio, para reinventar as cidades e abolir a mania do negócio predatório em que a maior parte dos humanos vive hoje.”
A ancestralidade, no pensamento do líder indígena, “não tem um ponto fixo no tempo passado, mas é desde sempre uma criação poética do futuro, um conhecimento ético consciente da necessidade de um habitar equilibrado na Terra”.
Este regresso de Ailton Krenak a Portugal esteve previsto para Outubro de 2022, a pretexto do arranque da trienal Antropocénica, que se propôs pensar a Amazónia como ponto de partida para debater o Antropoceno e o impacto devastador do Homem sobre o planeta. Na altura, Krenak não pôde comparecer pessoalmente, mas falou a partir do Brasil para o público reunido na Fundação Calouste Gulbenkian.
No início do encontro desta terça-feira, será projectado o documentário 8 Biliões: Somos todos responsáveis, de 2022, realizado por Andrea Yuri Flores Urushima, Cesar Shundi Iwamizu e Nelson Kao Wei Chin, e que parte de uma conversa com Ailton Krenak na terra Krenak, na margem do Rio Doce.
A conferência do pensador indígena acontece às 18h30 no Pequeno Auditório da Culturgest, tem entrada gratuita (mediante levantamento do bilhete 30 minutos antes, e sujeita à lotação da sala) e duração de 90 minutos.