Do ar húmido nasceu (alguma) electricidade: “Foi um acaso”
Cientistas de universidade norte-americana reforçam descobertas que começaram a ser publicadas em 2015: é possível transformar o ar húmido em electricidade, tal como Nikola Tesla sonhou.
Há males que vêm por bem e acasos que se transformam em descobertas fascinantes. O trabalho de uma equipa de engenheiros da Universidade do Massachusetts (em Amherst, Estados Unidos) encaixa perfeitamente nesta descrição: ao tentarem construir um sensor para detectar a humidade no ar, um simples erro permitiu criar uma pequena corrente eléctrica a partir deste ar húmido – sem mais nenhuma intervenção.
“Para ser sincero, foi um acaso”, confessa o investigador Jun Yao, líder deste projecto, ao jornal britânico The Guardian. “Por alguma razão, o estudante que estava a trabalhar no sensor esqueceu-se de ligar a energia”, diz. A descoberta já data de 2018, quando se conseguiu produzir corrente eléctrica com um dispositivo construído com fios microscópicos – o tal sensor. Agora, num estudo publicado em Maio na revista Advanced Materials, os cientistas aumentaram ligeiramente a escala.
Em vez de fios microscópicos, construíram um dispositivo também microscópico (com um quinto da largura de um cabelo humano) e perfuraram-no milhões de vezes – a uma escala minúscula, mas já maior do que em 2018. Esta recente experiência permitiu gerar um microwatt de potência eléctrica.
A higroelectricidade
Dar uma escala maior a esta experiência de um microwatt para algo que se possa tornar mais sustentável – e até criar uma nova energia renovável – é uma tarefa diferente, apesar da expectativa de Jun Yao. “Mesmo que uma camada fina do dispositivo gere uma quantidade muito pequena de electricidade, em princípio podemos empilhar várias camadas no espaço vertical para aumentar a potência”, perspectiva.
É o que a família Lyubchyk tenta criar já desde 2015. A investigadora ucraniana Svitlana Lyubchyk, juntamente com os filhos Andriy e Sergiy, trabalha no projecto europeu Catcher, que quer transformar a humidade atmosférica em energia renovável. Para isso, esta família fundou a empresa CascataChuva, sediada em Lisboa, e que pretende ser o espaço de comercialização desta ideia. “Éramos vistos como malucos”, explica Andriy Lyubchyk em declarações ao The Guardian. “Estávamos a dizer algo completamente impossível.”
A missão é criar um dispositivo que permita gerar energia suficiente para alimentar uma casa – e o protótipo está previsto para o próximo ano, em 2024. O desafio é ligar milhares de pequenos dispositivos, para gerar uma potência suficientemente alta e estável que permita dispensar qualquer outro tipo de electricidade. E, apesar do protótipo estar agendado para o ano, os investigadores ucranianos admitem que, com os ajustes e a passagem para a produção, ainda demorará vários anos até esta ser uma realidade tangível para o resto da população.
Face a outras energias renováveis presentes em todo o mundo, como a energia solar ou eólica, estes geradores de higroelectricidade (como é chamada a transformação de ar húmido em electricidade) terão a vantagem de poder funcionar de dia e de noite, dentro e fora de casa e numa grande variedade de locais, dizem os investigadores ao The Guardian.
Apesar de ainda soar a ficção científica, não faltam casos de descobertas científicas por mero acaso, desde o fósforo à penicilina ou mesmo ao tão utilizado plástico, por exemplo. Esta proposta, no entanto, alicerça-se naquilo que foi um sonho do inventor Nikola Tesla: também ele queria criar electricidade ilimitada a partir do ar húmido. Os resultados desta última década colocam-nos mais próximos de ter uma nova energia renovável e fruto do que há de mais abundante: o ar.