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Na Colômbia, há pescadores que recusam a cocaína que vem do mar
Agarrar um pacote de cocaína junto à costa colombiana pode mudar a vida dos pescadores. Mas muitos recusam-se a fazê-lo. El Pez Muere por la Boca, de Santiago Escobar-Jaramillo, é uma homenagem à sua resistência.
Nas zonas costeiras da Colômbia, tanto nas que são banhadas pelo Pacífico como pelo Atlântico, um cenário a la Rabo de Peixe acontece com muita frequência. Encontrar pacotes de droga no litoral do país que é o maior produtor de cocaína do mundo deixa as comunidades piscatórias em situação de vulnerabilidade diante do poderio do narcotráfico. O projecto El Pez Muere por la Boca (O Peixe Morre pela Boca, em tradução livre), da autoria do fotógrafo colombiano Santiago Escobar-Jaramillo e em exposição no Fotofestiwal, em Lodz, na Polónia, propõe uma reflexão sobre a resistência e resiliência dessas comunidades face ao tráfico de droga e violência.
"O narcotráfico precisa de uma saída na costa para escoar o produto para o mar", explicou Escobar-Jaramillo na visita guiada à exposição no edifício Art_Inkubator, na cidade conhecida pela "Manchester polaca". "Essa cocaína é a mesma que vem para a Europa e para os Estados Unidos", lembra o colombiano. "De cada vez que alguém inala [cocaína] numa parte do mundo, um tiro é disparado na Colômbia."
Durante o transporte marítimo, quando os traficantes são perseguidos pela Armada Nacional da Colômbia, é comum soltarem a carga no mar. "Os pescadores das povoações de Rincón del Mar, Sucre, no Atlântico, ou de Bahía Solano, Chocó, no Pacífico, encontram, ocasionalmente, pacotes [de cocaína] cujo valor pode traduzir-se num ano inteiro de trabalho na pesca." Com apenas um quilo, os pescadores podem "construir uma casa, comprar um iate ou passar umas férias inesquecíveis", exemplifica. Por esse motivo, esse tipo de captura marinha é conhecida por "pesca branca" entre os membros da comunidade piscatória.
Muitos pescadores cedem à pressão do dinheiro fácil, assumindo o risco de enfrentar o sistema judicial. Há, no entanto, quem diga não à "pesca branca". "Escolhem afastar-se da ilegalidade e do dinheiro fácil, da violência e da morte" que são indissociáveis do narcotráfico, explica o fotógrafo numa entrevista ao P3, uns dias depois da visita à exposição. "Resistem para poderem manter os seus costumes, no meio das dificuldades e das alegrias do dia-a-dia. Resistem porque se mantêm firmes na sua honestidade e nas suas crenças."
Personagens "tão macabros" como Pablo Escobar — com quem Escobar-Jaramillo garante, jocosamente, não ter qualquer grau de parentesco — "reinaram nessas terras" durante anos, condicionando a vida quotidiana e as regras de funcionamento das comunidades. Em Rincón del Mar, o fotógrafo ouviu relatos dos dias em que o paramilitar Rodrigo Mercado (conhecido por Cadena) e o seu séquito armado mantiveram, durante anos, toda a população sob controlo. "Ele chegou a mandar abaixo uma escola primária porque tapava a vista de mar a partir da sua casa, no centro da vila", descreveram.
O contacto com as comunidades foi primordial para o desenvolvimento do projecto que teve como ponto de partida o Rio Tambre, no ano de 2016. "Seguiram-se as visitas a outros rios da Colômbia, enquanto pescava com o meu pai, irmão, tio e primo", refere o fotógrafo. Entre 2018 e 2023 debruçou-se sobre vários pueblos junto ao Pacífico e à costa do Mar do Caribe. "A Colômbia é um país diverso. Não apenas porque temos a floresta amazónica, deserto, oceano, montanhas, pântanos, mas também porque temos uma enorme diversidade étnica, desde comunidades indígenas a afrodescendentes, mestiços, brancos, com todas a mescla cultural que isso acarreta."
Nos locais onde fotografa, Escobar-Jaramillo interage com as populações e abre com essas o diálogo sobre o impacto do narcotráfico. "Pergunto-lhes o que poderemos fazer em conjunto, eles contribuem e dão sugestões. Reunimos materiais, fazemos desenhos, maquetas, planeamos as sessões." Os planos nunca dão certo, refere, "e é aí que a magia acontece". "O contraste entre as tradições (em situação de paz) e a pressão armada (de grupos paramilitares e narcotráfico) surge, nas imagens, espelhado nas acções, paisagens, corpos e objectos." Assim, a fronteira entre o documental e o performativo vê-se esbatida nas imagens, "como o limite indefinido entre mar e terra", compara o colombiano.