Entre os arranha-céus da selva urbana de Toronto, envolvida nos últimos dias pela neblina de fumo que chega dos incêndios nas florestas do Canadá, um oásis nasceu na Praça de Nathan Phillips. É uma coroa de flores em formato de coração cujas pétalas sobreviveram à ameaça de vandalismo na noite de sexta-feira para sábado. E que agora contrastam com a rigidez do cimento, do vidro e do aço, resistente aos golpes de calor e da trovoada.
Uma festa fervilha a poucos metros dali, onde centenas de pessoas celebram o Mês do Orgulho. Por estes dias, Toronto voltou a ser um dos epicentros mundiais da comemoração pela emancipação da comunidade LGBTQIA+. O pote de ouro no pé deste arco-íris, e o único ponto da praça que consegue arrebatar a música que esbraveja das colunas, parece ser aquela coroa de flores.
Não é uma instalação artística qualquer: foi criada por Bruno Duarte, um português de 42 anos, natural do Caniço, no concelho madeirense de Santa Cruz, emigrado em Toronto desde os nove anos. Enquanto o pai, um “excelente agricultor”, trabalhava no campo, Bruno apanhava bocas-de-jarro na margem dos cursos de água. Depois, decorava as cadeiras e as mesas nas festas de aniversário da família.
Momentos como este, no “jardim flutuante” da Madeira, foram a semente para o negócio que Bruno desenvolveu em Toronto. Tudo começou enquanto varria o chão de uma florista da cidade canadiana: “Decidi que queria tirar um curso universitário para fazer daquilo vida. Comecei a estudar designers florais europeus e percebi que podia fazer arte. É isso que gosto de fazer, criar diferentes estruturas e explorar novas formas de expressão”, contou ao PÚBLICO.
A loja de Bruno fica numa avenida a oito quilómetros do centro da cidade canadiana. Lá fora, a chuva de segunda-feira cai teimosamente sobre uma atmosfera quente que adivinha trovoada. Mas cá dentro é-se transportado para um universo de fragrâncias que ganham vida sob a luz dourada de um candelabro barroco de cristais no centro da loja.
Aqui, “cada folha, cada galho, cada flor é uma obra de arte em si”, considerou Bruno: “A natureza é sempre a inspiração para todos os nossos projectos”. A montra da Fresh Florals Creations — assim se chama o negócio deste português —, parece um jardim inesperado, que muda ao sabor da criatividade de Bruno, que floriu debaixo de um toldo cor-de-rosa nesta avenida canadiana.
A loja nasceu de uma aventura em que Bruno se lançou já depois do curso universitário, pouco depois de ter trabalhado num espaço que unia um salão de beleza com uma florista na zona nobre da cidade. “Fui construindo o meu nome e foram aparecendo coisas cada vez mais interessantes”, conta Bruno.
A maioria dos clientes da Fresh Florals Creations são galerias de arte, grandes hotéis, empresas e a organização de eventos na cidade: Bruno já trabalhou com celebridades como René Zellweger, Patti LaBelle e Elton John; e é uma presença constante em programas de televisão canadianos.
O coração que embelezou a Praça de Nathan Phillips para as celebrações do Mês do Orgulho no fim-de-semana passado, criado por sugestão da organização do evento, já está de regresso à loja. Agora, já despido das rosas, orquídeas, crisântemos e delfínios que lhe deram vida até há poucos dias, é uma estrutura metálica espinhosa à espera de uma nova vida.
A primeira instalação artística de Bruno Duarte não foi a que criou para o Mês do Orgulho em Toronto. Aquele foi o mesmo coração metálico que o empresário e florista português criou originalmente para servir de altar ao casamento com o parceiro de negócio em 2020, ali mesmo na loja onde recebeu o PÚBLICO.
Mas no casamento, em vez de estar coberto pela colorida tapeçaria de flores que a organização exibiu como cabina fotográfica no centro da cidade, a instalação recebeu a palavra “Love” (em português, “Amor”) escrita com orquídeas brancas. “Gosto de construir estruturas porque basta adicionar flores diferentes para se criar uma nova aparência”, explicou Bruno: “Tentamos ser sempre ecologicamente responsáveis. A sustentabilidade é muito importante para nós”.
Bruno Duarte e o marido visitavam a Madeira todos os anos para as férias de Verão, mas regressar ao país que o viu nascer não está nos planos do português: “As pessoas não gostam muito de gastar dinheiro em flores como se fosse uma obra de arte. Associam-na a eventos muito específicos, como casamentos, baptizados e funerais. Aqui, trabalhando muito, consegue-se vingar”.