EUA estavam a par das ameaças de Prigozhin há duas semanas

Jornais norte-americanos noticiam que os serviços de informação dos EUA transmitiram as suas suspeitas ao Congresso dos EUA na semana passada. Líder do grupo Wagner estará na Bielorrússia.

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Prigozhin cumprimentado no momento da saída de Rostov, na noite de sábado Reuters/ALEXANDER ERMOCHENKO
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Os serviços de informação dos Estados Unidos informaram o Congresso do país, na quarta-feira, de que o chefe do grupo mercenário russo Wagner estava a preparar algum tipo de acção armada contra a liderança do Ministério da Defesa da Rússia desde meados de Junho.

Segundo os media norte-americanos, a espionagem dos EUA acredita que as movimentações suspeitas do grupo Wagner também eram do conhecimento de Vladimir Putin — que, tal como a Administração Biden, terá sido surpreendido com a concretização das ameaças de ​Yevgeny Prigozhin (Ievgueni Prigojin na versão portuguesa), conhecido pela sua retórica inflamada e nem sempre consequente.

Na noite de sábado (hora em Washington, madrugada deste domingo em Portugal), o canal norte-americano CNN e os jornais New York Times e Washington Post noticiaram que o aumento da tensão entre o grupo Wagner e o Ministério da Defesa russo era evidente — e ainda mais pronunciado do que indicavam as declarações públicas de Prigozhin nos últimos meses —, e que a Casa Branca decidiu não revelar publicamente essas informações para evitar ser acusada pelo Kremlin de orquestrar uma guerra civil na Rússia.

Nos dias que antecederam o início da guerra na Ucrânia, em finais de Fevereiro de 2022, a Administração Biden optou por tornar públicas informações secretas que davam como certa uma invasão russa, o que a Rússia desmentiu e enquadrou como uma tentativa de desestabilização por parte dos EUA.

Momento-chave

Desta vez, segundo o Washington Post, as agências de serviços secretos dos EUA não tinham informações suficientes para concluírem que Prigozhin ia concretizar a sua ameaça; mas o facto de as informações existentes terem sido transmitidas à Casa Branca e ao Congresso indica que "alguma coisa estava em andamento".

"É muito difícil separar o que é real e o que é só conversa", disse uma das fontes da CNN, citada sob anonimato para poder fazer comentários sobre informações secretas. "A tensão estava a aumentar há muito tempo, sem que nada estivesse a acontecer."

Ao mesmo tempo, as notícias dos jornais norte-americanos corroboram uma informação avançada no sábado pelo site independente russo Meduza, segundo a qual a gota de água que fez transbordar o copo na conturbada relação entre Prigozhin e os principais responsáveis pelas operações no terreno na Ucrânia — o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior, Valeri Guerasimov — foi uma exigência do Kremlin para que o grupo Wagner passasse a ser incluído nas estruturas militares russas.

Segundo Tatiana Stanovaya, do instituto Carnegie Endowment for International Peace, a ordem do Kremlin significava, na prática, que Prigozhin teria de ceder o controlo total do grupo Wagner aos seus inimigos no Ministério da Defesa — um cenário que estava "fora de questão", disse a investigadora ao New York Times.

Incertezas

A velocidade dos acontecimentos no sábado, e o facto de uma coluna do grupo Wagner ter chegado a 200 quilómetros de Moscovo sem aparente oposição, veio levantar ainda mais questões sobre a solidez da autoridade de Putin; mas não indica que a acção de Prigozhin ponha em causa a estabilidade do Governo russo a curto prazo, nem que tenha levado ao afastamento dos seus principais rivais no Ministério da Defesa.

Ao início da noite de sábado, o Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, anunciou que tinha convencido Prigozhin a cancelar a marcha do grupo Wagner até Moscovo e a retirar os seus combatentes de duas instalações militares ocupadas nas horas anteriores — o quartel-general das forças russas no Sul do país, em Rostov, uma base importante para as operações na invasão da Ucrânia; e um quartel na região de Voronezh, a meio caminho entre Rostov e Moscovo.

Numa declaração sobre o acordo mediado por Lukashenko, o líder do grupo Wagner disse que aceitou cancelar a marcha em direcção a Moscovo para "evitar um derramamento de sangue russo".

Sabe-se que as autoridades russas deixaram cair a acusação de "rebelião armada" contra Prigozhin, que tinha sido anunciada na manhã de sábado após um comunicado de Putin ao país em que o Presidente russo acusou o líder do grupo Wagner de "traição" e de ter dado "uma facada nas costas" da Rússia.

Questionado por jornalistas na noite de sábado, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que Prigozhin ia "para a Bielorrússia", e que a garantia de que o líder do grupo Wagner não irá ser acusado nos tribunais "é a palavra do Presidente da Rússia".

O que não se sabe é qual será a influência de Prigozhin sobre o grupo Wagner a partir de agora, nem que consequência terá a rebelião de sábado na imagem de Putin como um líder capaz de gerir e suprimir ameaças internas longe dos olhares da população.

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