Rebelião na Rússia: grupo Wagner entra em Rostov e ameaça rumar a Moscovo

Ruptura total entre o grupo Wagner e o Ministério da Defesa. Ievgueni Prigojin pede derrube da cúpula militar russa.

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Veículos blindados em Rostov Reuters/STRINGER
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Veículo blindado em Rostov Reuters/STRINGER
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Militares da Wagner Reuters/STRINGER
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O grupo mercenário Wagner entrou em território russo durante a madrugada de sábado, horas depois de o seu líder, Ievgueni Prigojin, ter pedido o derrube da cúpula militar russa. Ao início da manhã, e de acordo com vídeos divulgados na rede Telegram, o comandante da organização paramilitar entrou no quartel-general do Distrito Militar Sul das Forças Armadas russas, na cidade estratégica de Rostov, e apresentou as suas exigências directamente ao vice-ministro russo da Defesa, Yunus-bek Yevkurov, e a Vladimir Alekseiev, vice-comandante dos serviços de inteligência militar, o GRU.

Prigojin pede a cabeça do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e do general Valeri Gerasimov. Caso contrário, ameaça rumar com os seus homens para Moscovo.

A situação era tensa em Rostov, onde, pelas 4h da madrugada locais, o governador Vasili Golubev aconselhou a população a "não sair de casa sem necessidade" e a "evitar o centro" perante as movimentações militares em curso. Prigojin diz que os seus mercenários controlam as instalações militares e o aeroporto da cidade.

Há também relatos de actividade militar na região de Voronezh, mais a norte, ao longo da auto-estrada M4, via estratégica que liga o Sul da Rússia a Moscovo, que foi entretanto cortada ao tráfego civil.

A surpreendente e rápida incursão do grupo mercenário em território russo ocorre após uma dramática escalada de tensão, na sexta-feira, entre o líder dos Wagner e o Ministério da Defesa. Prigojin anunciou uma rebelião contra a cúpula militar russa, a que os Serviços Federais de Segurança (FSB) responderam com a abertura de uma investigação criminal contra o líder do grupo Wagner, apelando publicamente aos elementos da organização paramilitar para deter o seu comandante.

"Apelamos [aos elementos do grupo] para que não cometam erros irremediáveis, que travem qualquer uso da força contra o povo russo, que não sigam as ordens criminosas e de traição de Prigojin​, e que procedam à sua detenção", lê-se em declarações oficialmente atribuídas ao FSB e veiculadas pela RIA Novosti no seu site.

"Com as suas declarações e acções, Prigojin apelou ao início de um conflito armado civil em território russo", acrescentam os serviços federais. Mais tarde, a procuradoria-geral russa confirmou que Prigojin está a ser formalmente investigado por suspeita de "organização de rebelião armada" e que arrisca uma pena de 20 anos de cadeia.

Prigojin​, por seu turno, afirma ter "25 mil" homens "prontos a morrer pelo povo russo".

Moscovo reforça segurança, Kiev 'festeja com champanhe'

A capital russa assistiu a um reforço da segurança, com o presidente da Câmara de Moscovo, Sergei Sobianin, a anunciar a imposição de "medidas anti-terroristas", incluindo operações stop e o cancelamento de eventos públicos.

Durante a noite, e num sintoma do nervosismo reinante em Moscovo, dois elementos da cúpula militar russa pronunciaram-se publicamente contra a rebelião. O general Sergei Surovikin, vice-comandante das forças russas em território ucraniano, apelou aos mercenários para "obedecer ao Presidente". Vladimir Alekseiev, que horas depois daria de caras com Prigojin em Rostov, qualificou as declarações do líder do grupo Wagner como uma "facada nas costas do país e do Presidente". Mais tarde, e frente ao líder do grupo Wagner, disse-lhe que "em Kiev estão a festejar com champanhe" a acção do mercenário.

Vladimir Putin está a ser informado dos acontecimentos em curso, noticiou a imprensa estatal. No entanto, não houve durante a noite qualquer declaração pública do Presidente russo. Putin falou já durante a manhã e, numa mensagem gravada, classificou a iniciativa da Wagner de "traição" e garantiu que "todos os que participarem na rebelião serão punidos".

Em Kiev, o conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podoliak comentou na rede social Twitter que "vêm aí tempos tumultuosos". Na Ucrânia, e apesar da crise em curso a Leste, a noite foi marcada por novos bombardeamentos russos em Kiev, Kharkiv e Dnipro.

Nos Estados Unidos, a Casa Branca afirma estar a acompanhar a situação na Rússia.

Bakhmut agudizou conflito com Shoigu

Os últimos desenvolvimentos seguem-se a uma dramática escalada do conflito interno entre o líder do grupo de mercenários russos e o Ministério da Defesa de Serguei Shoigu, que se agudizou com a retirada dos Wagner de Bakhmut no final de Maio, batalha sangrenta durante a qual Prigojin acusou repetidas vezes a cúpula das Forças Armadas de falta de apoio e mesmo de traição.

A escalada verbal desta sexta-feira iniciou-se com Prigojin a publicar um vídeo na plataforma de mensagens Telegram onde acusou a oligarquia russa e o Ministério da Defesa de "enganar o público" e de "enganar o Presidente" Vladimir Putin sobre a situação na Ucrânia, arrastando a Rússia para uma invasão, em 2022, sobre falsos pretextos.

“[Volodymyr Zelensky] não tinha a intenção de atacar a Rússia com a NATO, estão a enganar as pessoas”, declarou Prigozhin nesse vídeo, acusando o Ministério da Defesa russo de ter fabricado uma hipotética ameaça ucraniana.

"A Ucrânia não andou a bombardear o Donbass durante estes últimos oito anos", afirmou, contrariando a narrativa oficial do Kremlin sobre o conflito, e declarando que "a guerra era necessária para que um punhado de pessoas" pudessem promover-se, nomeadamente Sergei Shoigu, para "instalar" Viktor Medvedchuk como Presidente da Ucrânia, e para perpetuar o saque do Leste russófono do país por elites próximas de Putin.

"Temos de acabar com isto"

Já de noite, Prigojin voltou ao Telegram para dizer que "o mal representado pela liderança militar russa tem de ser travado", prometendo uma "marcha pela justiça", mas negando estar a promover um "golpe militar".

"Aqueles que mataram os nossos rapazes, e dezenas de milhares de soldados russos [na invasão da Ucrânia] vão ser punidos", declarou.

"Não resistam. Quem o fizer será considerado como uma ameaça e será destruído", acrescentou Prigojin​. "Quem quiser, que se junte a nós. Temos de acabar com isto".

De seguida, o líder do grupo Wagner acusou as forças regulares russas de lançarem um ataque que vitimou "dois mil" membros da organização paramilitar, algo que Moscovo negou de imediato.

Momentos depois, Prigojin conduzia os seus mercenários para o território russo.


Nota do editor: este artigo sofreu várias actualizações ao longo do dia de ontem e durante a madrugada desde sábado

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