Warner Bros.: o dia em que os manos fazem anos

Um século de Warner Bros., um dos estúdios clássicos de Hollywood, é celebrado na HBO Max com uma série documental que diz (mesmo quando não diz) tudo o que mudou entre 1923 e 2023.

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Os irmãos fundadores do estúdio HBO
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Chegar aos cem anos de existência é sempre uma ocasião de celebração. No caso de um estúdio de cinema, no entanto, será que ainda faz sentido falar de aniversário num momento em que a própria ideia do que é um estúdio está em acelerada transformação?

Há razões para pensar o pior quando começamos a ver 100 Anos da Warner Bros., a série documental de quatro episódios disponibilizada há poucas semanas na plataforma HBO Max. O “anfitrião” de algumas das primeiras cenas é o actual patrão máximo do recém-formado grupo Warner Bros. Discovery, David Zaslav — que fez toda a sua carreira na televisão por cabo e no qual ninguém pensaria como homem de cinema. O narrador é um Morgan Freeman em piloto automático, que já entrou naquela fase da carreira em que está a fazer render a voz. E vedetas contemporâneas como Keanu Reeves, George Clooney ou Matthew Modine aparecem a evocar os tempos áureos do estúdio.

No entanto, com o decorrer do documentário, dirigido por Leslie Iwerks, documentarista veterana que nasceu no meio da realeza (é neta de Ub Iwerks, que criou o rato Mickey com Walt Disney), o espectador compreende que, por trás da encomenda institucional, se desenha um olhar sobre o que foi ser um estúdio de cinema entre 1923 e 2023. Podemos questionar os motivos que levaram à desequilibrada divisão de eras pelos quatro episódios e à inexistência de referências a momentos ou filmes importantes, mas não há como negar que o que aqui se conta é mais interessante do que se esperaria — basta ver como, sempre que o “professor” Martin Scorsese aparece, tudo e encaixa no sítio como deve ser.

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E o que se conta? As múltiplas ascensões e quedas de um estúdio formado por quatro irmãos emigrantes polacos, que criou ao longo do tempo uma série de imagens que se cristalizaram na memória colectiva. A Warner dos filmes de gangsters clássicos dos anos 1930, de James Cagney, Edward G. Robinson e Paul Muni, mas também a dos musicais geométricos de Busby Berkeley. A Warner de Casablanca, o clássico dos clássicos da era clássica de Hollywood, mas também de James Dean e Bonnie & Clyde, que permitiu a Francis Coppola e George Lucas dar os seus primeiros passos na indústria, mas também a Warner que tem culpas no cartório da invasão dos super-heróis ao ter levado para o cinema o Super-Homem e Batman. A Warner que criou relações de longo prazo com cineastas (autores ou não) a quem deu carta-branca — Stanley Kubrick, Clint Eastwood, Oliver Stone, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Christopher Nolan, Tim Burton —, mas também a Warner de Full Metal Jacket e Matrix, O Guarda-Costas e JFK, da série Harry Potter e Arma Mortífera.

E também a Warner que foi crescendo para um grupo multimédia e diversificando, investindo em informática (Atari) e apostando na televisão (Friends, Serviço de Urgência, Os Homens do Presidente, O Sexo e a Cidade, A Teoria do Big Bang), absorvendo o grupo de Ted Turner (que lhes trouxe a CNN e o catálogo clássico da MGM), fundindo-se primeiro com a Time/Life e depois com o pioneiro da Internet AOL. Mas também a Warner que tem prestado especial atenção à preservação da memória e do arquivo, com o estúdio de cinema como “jóia da coroa” de uma era em que o “cinema” se tornou conteúdo”. Claro que é impossível fazer uma história da Warner (e, por arrasto, de qualquer outro estúdio) sem perceber o contexto em que tudo foi mudando, e como questões políticas, económicas, industriais, sociais ao longo destes cem anos foram alterando a relação entre o espectador e o filme.

São essas mudanças — algumas delas explicadas em 100 Anos de Warner Bros., outras deixadas nas entrelinhas para os mais atentos a estas coisas da indústria — que Leslie Iwerks conta com eficácia ao longo destas quatro horas, numa série que se destina sem dúvida mais aos cinéfilos do que ao espectador casual, mas que diz muito (mesmo quando diz pouco) sobre o que é hoje fazer cinema.

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