Decretos-lei que transpõem directivas sobre direitos de autor em Diário da República
Entram finalmente em vigor as directivas europeias que deveriam ter sido adoptadas na lei portuguesa até Junho de 2021.
Os dois decretos-lei que transpõem as directivas europeias de 2019 relativas a direitos de autor e conexos foram publicados esta segunda-feira em Diário da República, aprovados por via governamental e depois de se ter ouvido em audição o Conselho Nacional do Consumo.
O Decreto-lei n.º 46/2023 introduz na legislação portuguesa a Directiva Europeia 2019/789, que “estabelece normas sobre o exercício dos direitos de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio”.
Já o Diploma n.º 47/2023 transpõe a Directiva 2019/790, que tinha como principal pressuposto o “facto de a distribuição em linha de conteúdos protegidos por direitos de autor ser, por natureza, transnacional, pelo que apenas os mecanismos adoptados à escala europeia podem assegurar o correcto funcionamento do mercado da distribuição de obras e outro material protegido, bem como assegurar a sustentabilidade do sector da edição face aos desafios do meio digital”.
Apenas o Decreto-lei n.º 46 tem um resumo em linguagem clara, no qual se pode ler que “é definido o regime aplicável aos chamados serviços acessórios em linha, complementares dos serviços de radiodifusão de obras e outro material protegido por direitos de autor e direitos conexos e aos serviços de retransmissão das mesmas por outros meios para além do cabo e dos sistemas de microondas”.
Quanto ao Decreto-lei n.º 47/2023, o Governo indica que optou por transpor a directiva “através de uma alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e de duas leis avulsas”, no caso, o Decreto-lei n.º 122/2000, que transpôs uma directiva sobre a “protecção jurídica das bases de dados”, e a Lei n.º 26/2015, que regula as entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos.
“Reforça-se a protecção dos autores e dos artistas, intérpretes ou executantes, no âmbito dos contratos, por eles celebrados, de licenciamento ou transmissão para a exploração das suas obras ou prestações. Com efeito, acolhe-se o princípio de remuneração adequada e proporcionada, adoptam-se mecanismos de modificação contratual e remuneração adicional e cria-se um direito à obtenção de informações e um direito de revogação contratual em casos de falta de exploração”, pode ler-se no decreto-lei publicado em Diário da República e que entra em vigor dentro de 15 dias.
Na semana passada, o Presidente da República promulgou os dois documentos, assinalando então em comunicado “a evolução positiva do articulado [do Decreto-lei n.º 47/2023] face à versão inicial conhecida aquando da aprovação da lei de autorização legislativa, bem como o facto de o Governo referir a conformidade com a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Na sequência da promulgação, uma das associações que pediram que a transposição acontecesse por via parlamentar e não governativa, a D3 — Defesa dos Direitos Digitais, criticou o facto de essa “evolução positiva do articulado” ser desconhecida do público e até de quem contribuiu para a consulta pública.
Os decretos-lei partiram da acção governamental, depois de a Assembleia da República ter aprovado uma autorização ao executivo para que legislasse sobre o assunto. As propostas de lei foram colocadas sob consulta pública, tendo sido ouvido em ambos os casos, por via de audição, o Conselho Nacional do Consumo.
Antes da votação parlamentar, no começo do ano, 11 associações apelaram à transposição das directivas por via parlamentar e não governativa, para garantir maior transparência, numa matéria que regula “aspectos essenciais”, como liberdade de expressão e direito à educação.
Em comunicado, estas associações — maioritariamente ligadas às áreas da tecnologia e da informação — consideraram que a transposição da directiva relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital deveria ser matéria de “amplo e participado debate público”.
Por outro lado, outras nove associações — representativas de sectores como a música, audiovisual, cinema, media, editores, livreiros e agentes de artistas e produtores de espectáculos — apelaram à “transposição rápida e de acordo com o espírito da directiva”.
Em Novembro do ano passado, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, afirmou que queria “consenso alargado” sobre esta matéria e garantiu que a directiva iria estar ainda em consulta pública, período durante o qual todas as partes interessadas no processo se poderiam voltar a pronunciar.
Em Setembro de 2021, o Governo português já aprovara duas propostas de lei que o autorizavam a legislar de forma a transpor as directivas europeias sobre esta matéria, que deveriam ter sido adoptadas na lei nacional até Junho desse ano. Cerca de um mês depois, o Parlamento aprovou a passagem à especialidade dos diplomas, em vésperas do chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022.
Aprovadas ao nível da União Europeia em 17 de Abril de 2019 e aplicáveis desde Junho desse mesmo ano, as directivas deveriam ter sido transpostas para a legislação de cada Estado-membro até dia 7 de Junho de 2021. Em Maio do ano passado, a Comissão Europeia enviou dois pareceres fundamentados a Portugal, na fase inicial de um processo de infracção, por ainda não ter notificado Bruxelas sobre este processo.